Embora culturalmente intrigante –e,
possivelmente, de intenções artísticas difíceis de serem melhor apreendidas –esta
desigual animação japonesa “Sen’ya Ichiya Monogatari” produzida pelo mestre Osamu
Tezuka e dirigida por Eichi Yamamoto (diretor também do cult e obscuro “A
Tragédia de Belladona”) não aparenta ser realizada para o público infantil.
Sua trama é uma sucessão novelesca de
infortúnios e guinadas dramáticas (e de considerável extensão) que refletem o
folhetim dos enredos clássicos.
Começamos na humilde presença do vendedor de
água Aldin (nome que referencia o famoso personagem “Aladdin”), cuja vida de
pobreza nas ruas de Bagdá se vê retratada nas primeiras cenas com objetividade
notável por uma animação que, ao longo de todo o filme, não poupará técnicas
imprevistas (nem sempre harmoniosas) para passar ao público seus propósitos.
É dessa forma que Aldin, expectador ocasional
de um leilão de escravos, se vê arrebatado pela beleza singular de Milliam, uma
escrava vendida a um efeminado filho de aristocratas. Aldin vale-se da
distração provocada por uma tempestade de areia e foge com Milliam a fim de
consumar a súbita paixão –e, nesse aspecto, a animação não enxerga as diversas
cenas de nudez como um tabu.
Após algumas peripécias, Aldin e Milliam se
separaram. Ela termina vendida ao jovem efeminado graças à influência do pai.
Ele vira prisioneiro, de onde padece para escapar. Milliam, porém, está grávida
e quando a criança nasce (uma menina a quem é dado o nome Jallis), Milliam
morre.
A partir disso, inicia-se uma jornada irregular
centralizada em Aldin que tenta roubar um carregamento de ouro encontrado numa
montanha mágica, esconderijo de ladrões que entram e saem usando a frase “Abre-te,
Sésamo!” –um decalque de “Ali Babá e Os Quarenta Ladrões”, conto que, de fato,
integra a coletânea árabe conhecida como “As Mil e Uma Noites”.
Cúmplice de uma moça, Madia, abusada pelos
ladrões (dos quais, um dos integrantes é contratado pelos senhores que compraram
Milliam), Aldin foge pelo mundo num cavalo de madeira voador (!), terminando
numa ilha povoada por mulheres nuas e deslumbrantes. O êxtase ininterrupto de
Aldin perturba Madia, que decide ir embora. Aldin só o faz quando descobre,
depois de maratonas extensivas de prazer, que as mulheres da ilha são seres
sobrenaturais que se transformam em cobras (!).
Náufrago, ele é achado em alto-mar por um navio
escravagista que não tarda a aportar numa ilha cheia de monstros. Mais uma vez
sobrevivente e à deriva no mar, Aldin acha um navio assombrado, cujas entidades
sobrenaturais lá presentes se dispõem a realizar seus desejos. E assim ele
troca uma vida miserável por outra, opulenta e gratificante.
A animação salta então quinze anos, onde
encontramos Jallis crescida, parecidíssima com a linda mãe Milliam, e
apaixonada por um pastor de ovelhas. Logo sabemos (por cenas que se enrolam um
pouco mais do que o narrativamente necessário) que criaturas sobrenaturais –muito
provavelmente oriundas do folclore oriental –acompanham e interferem no destino
afetivo do jovem casal.
No entanto, Aldin logo virá para terra firme,
agora estabelecido e afortunado. Seu reencontro com Jallis –e a desconcertante
descoberta da semelhança dela com seu grande amor –se dará em meio à uma
competição de riquezas.
Dentre as muitas raridades
perdidas das animações orientais, “As Mil e Uma Noites” é apontada como uma
obra erótica pelos poucos que dela têm conhecimento, mas é um rótulo um tanto
injusto e precipitado: No lirismo que imprime à exposição graficamente bela do
corpo humano (sobretudo, o feminino); na ausência de momentos explícitos de
sexo; e no caráter lúdico inerente aos acontecimentos carnais aqui mostrados, o
filme de Eichi Yamamoto ostenta um encanto e uma ausência de segundas intenções
que chegam a ser cativantes –e essa condução cheia de refinamento, reflexo do
profundo conhecimento artístico em animação dos realizadores, sobrepuja as
deficiências técnicas inevitáveis da obra, e sua constantemente irregular
junção de recursos diversos, como a animação convencional, a foto-montagem, a
rotoscopia formulada e até mesmo a fusão entre filmagem real e desenho animado.
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