É consenso dentre a crítica que, em meio à
todas as produções oriundas do Dogma 95 entregues nos anos 1990, seja “Festa de
Família”, de Thomas Winterberg, o melhor.
Na astúcia de seu roteiro, na construção
habilidosa de seus personagens e da situação da qual são reféns, “Festa de
Família” consegue encontrar um meio de ser relevante como cinema e austero como
obra de arte, sempre se mantendo religiosamente fiel aos códigos estabelecidos
no Manifesto Dogma 95 –regras estas que, na maioria dos casos, soavam mais como
restrições do que como diretrizes.
A narrativa em câmera na mão começa com um
homem caminhando numa estrada. Trata-se de Christian (Ulrich Thomsen, de “Brothers”
e “Em Um Mundo Melhor”), irmão de Michael (Thomas Bo Larsen), ambos filhos de
Helge (Henning Moritzen), um orgulhoso dono de hotel que, no local em questão,
irá fazer uma recepção em comemoração ao seu 60º aniversário para os membros de
toda a numerosa família, amigos e associados da maçonaria.
Christian e Michael se cruzam antes mesmo de
chegarem ao hotel, e as primeiras impressões nos fazem crer que Michael é o irmão
instável, enquanto que Christian, o sereno e comportado.
Todavia, quando os personagens tratam de se
agrupar no grande salão, o espetacular roteiro trata de utilizar inteligentes
circunstâncias para subverter essas expectativas.
A intenção de Christian ali não é, afinal,
prestigiar o próprio pai, mas sim, de fazer justiça: Ele, Michael e sua outra
irmã Helene (Paprika Steen) perderam anos atrás uma outra irmã, que
suicidou-se. E a razão para isso, no desconcertante discurso que supostamente
daria início às comemorações, Christian afirma ser os constantes e impunes
estupros que eles sofreram de Helge quando ainda eram crianças.
E, acredite se quiser, o rebuliço está só começando!
Entre as tentativas perplexas de alguns dos
presentes em tentar conter Christian e acobertar o incêndio que deflagrou
(Michael, por exemplo, cuja promessa de controle sobre os negócios da família o
tornou comportado e conivente), novos elementos se agregam ao desenrolar
novelesco, como o namorado negro de Helene, Gbatokai (Gbatokai Dakinah), cuja
repentina presença escancara o racismo ali predominante; e a aliança de
Christian com os funcionários da cozinha que têm perfeita noção do que ele
deseja fazer –e querem assim ajuda-lo: Chegam a roubar as chaves de todos os
carros nos quartos para que nenhum hóspede vá embora sem ouvir e saber de tudo!
“Festa de Família” brilha
ao provar que, diante de todos os preceitos do Dogma 95 (preceitos esses que
simbolizam as limitações que a maioria daqueles que sonham em fazer cinema têm),
é perfeitamente possível produzir cenas geniais (a direção de fotografia é de
Anthony Dod Mantle que fotografou os filmes de Danny Boyle, “Quem Quer Ser Um Milionário?” e “127 Horas”), contar uma história envolvente, impactante e
esperta estrelada por um elenco afiado com objetivas e certeiras atuações e com
tudo isso urgir uma brilhante obra de cinema.
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