terça-feira, 2 de abril de 2019

Lovelace

Costuma-se dizer que a história por trás de alguns filmes é tão turbulenta e interessante quanto o próprio filme em questão.
É essa máxima que vem nortear esta produção que coloca a jovem, bela e talentosa Amanda Seyfried como a garota que, nos anos 1970, protagonizou para o bem e para o mal o filme pornográfico que rompeu pela primeira vez a restrição do circuito específico para essas obras, virando um verdadeiro sucesso, “Garganta Profunda”.
É com ironia que descobrimos a quão pudica é Linda Boreman (Amanda), sobretudo, em comparação com sua melhor atrevida e ousada amiga Patsy (Juno Temple).
Crescida numa família rigorosa e áspera (seus pais são vividos por Sharon Stone e Robert Patrick), Linda ainda teve o infortúnio de engravidar com vinte anos –a criança foi entregue à adoção. O quê levou seus pais a educarem-na com rédea curta.
Tão curta que ela se sentia sufocada.
Quando o galante Chuck Traynor (Peter Sarsgaard) surge em sua vida, portanto, ele não deixa de aparentar ser o príncipe encantado que a salvará daquela prisão. No entanto, Chuck tem lá seus demônios. Enquanto estão juntos, ele deixa Linda (agora, Linda Traynor) compreender sua opinião algo maleável sobre a prostituição –para ele, não há problemas em suas funcionárias fazerem programas com seus clientes –além de outros assuntos mais escusos.
Com a corda no pescoço de tantas dívidas, ele gradativamente convence Linda –que tinha lá seus sonhos para com a vida artística –a fazer um filme. Logo fica claro, porém, que esse filme não é convencional; trata-se de um pornô.
Do modo como a narrativa se apresenta, nem é tanto Linda quem se assombra com os indícios do que terá de fazer, é o próprio expectador: Para a biografia que se assume, ele é um pouco nebuloso na questão do quanto Linda sabia sobre a natureza do projeto de “Garganta Profunda” –e o roteiro ainda usa um artifício para, mais tarde, regressar algumas cenas, e mostrar que Chuck prostituía Linda, aliciando-a com violência e imposições brutais.
Com o sucesso de “Garganta Profunda” –a famosa obra pornô sobre uma garota que tem o clitóris localizado na garganta (!), pretexto que enfileira assim uma sucessão de cenas de sexo oral a cargo de Linda (então, batizada com o sobrenome Lovelace, o mesmo da personagem) –ela se torna assim uma espécie de ícone, um símbolo sexual a representar a ponte entre a então obscura indústria pornográfica e a produção hollywoodiana; significativa, nesse sentido, é a participação de James Franco vivendo ninguém menos que Hugh Hefner, o dono da Playboy.
Mas, a fachada de glamour e êxito esconde um matrimônio de abuso: Disposto a transformar a própria esposa numa espécie de marca que pode explorar até o último centavo, Chuck submete Linda à todo tipo de submissão, desde o uso indevido de sua imagem para produtos de sex-shop à orgias programas com dezenas de clientes.
Ela custa a livrar-se dessa influência perniciosa de Chuck e abandonar esse meio para então reinventar-se, desta vez casada e com o sobrenome Marchiano, como escritora de um livro onde expõe todas as circunstâncias que a levaram a estrelar “Garganta Profunda”, bem como o casamento tóxico que viveu com Chuck –livro este que serve de inspiração ao filme dirigido por Rob Epstein e Jeffrey Friedman com uma indecisão quase bipolar: Seu trabalho flutua entre a intenção de expor despojadamente os elementos do universo pornô (como Milos Forman o fez em “O Povo Contra Larry Flint”) e o zelo ocasional e condescendente para com sua protagonista retratada.
Com isso perde muito da ousadia que se poderia esperar de um projeto assim.

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