Quando entregou o roteiro de “Jerry Maguire”, o
diretor e roteirista Cameron Crowe não era tão reconhecido para além de pecha
de promissor e ótimo escritor de diálogos –seus filmes até então restringiam-se
aos simpáticos “Digam O Que Quiserem” e “Vida de Solteiro” –isso pode explicar
porque ele teve lá seus contratempos e aborrecimentos com a realização do longa
(reza a lenda que a Columbia Pictures exigiu que ele reescrevesse o roteiro
trinta vezes!) e o fato do filme em si divergir um pouco de seu estilo e sua
temática habituais na comparação com suas obras que vieram antes e que vieram
depois.
“Jerry Maguire” é, em si, uma desconstrução de
Cameron Crowe ao seu estilo mais moderno e atrelado ao romantismo dos novos
tempos, das comédias de empuxo moral praticadas por Frank Capra.
A começar essa sua desconstrução, o filme de
Crowe se permite começar onde quase todos aqueles outros acabavam: No momento
em que o anti-herói descobre seu próprio caráter.
A partir daí, Crowe confronta esse personagem
(interpretado com excelência por Tom Cruise) com os percalços espinhosos de sua
escolha.
Jerry Maguire sempre foi um ótimo agente
esportivo (profissão ilustrada com gracejo na cena inicial) e, portanto, dos
muitos a explorar como abutres o talento dos atletas. Ao ser confrontado com a
inesperada sinceridade infantil do filho de um esportista machucado, Jery tem,
um dia, uma epifânia: Decide abandonar os objetivos mesquinhos e propor aos
colegas de seu meio, que passem a pensar no melhor para seus atletas,
valorizando assim o ser humano, e não o dinheiro que eles podem render.
É óbvio que Jerry acaba despedido, e tem, como
única chance de manter-se nos negócios, um jogador encrenqueiro, impulsivo e
ultrajante que ninguém quer representar, o incontrolável Rod Tidwell (Cuba
Gooding Jr., vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e, de fato, roubando
todas as cenas).
Ao seu lado, Jerry conta com a assistência de
uma fiel secretária, encantada com seu súbito idealismo, a igualmente
encantadora Dorothy Boyd (Renée Zellweger, revelada então neste filme).
Crowe molda assim uma graciosa comédia bem interpretada
pelo trio central e roteirizada com perspicácia, valorizando justamente as
circunstâncias e as dinâmicas que surgem eventualmente: O romance algo
relutante entre Jerry e Dorothy, que não chega a explodir na tela, mas, se
concretiza gradualmente em diálogos cheios de meiguice (“Você me ganhou no
Olá!”) e pequenos detalhes; as aflições profissionais e pessoais do ótimo
personagem Rod Tidwell às voltas com o racismo do meio e com as consequências
de sua própria petulância (tão rica é essa faceta que ele poderia ganhar um
filme só seu!); e as seguidas desilusões de Jerry em sua estoica tentativa de
contrariar o cinismo e a vilania predominante em seu ímpeto.
“Jerry Maguire” não é o
melhor trabalho de Cameron Crowe, e provavelmente não ocupa o topo da lista de
nenhum de seus envolvidos, mas é bem construído e bem feito em todos os
aspectos a que se propõe.
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