quarta-feira, 31 de julho de 2019

A Nave da Revolta

Ao incorporar as ambiguidades humanas potencialmente capazes de aflorar num ambiente teoricamente reto e certo como o militarismo (a Marinha, neste caso), e transpor tais ideias, presentes na obra de Herman Wouk, vencedora do Prêmio Pulitzer, com alguma eficiência para a tela de cinema, o filme do diretor Edward Dmytryk, dialoga de certa maneira com “Sindicato de Ladrões”, de Elia Kazan, ambos lançados no mesmo ano, e ambos indicados ao Oscar por suas inquestionáveis qualidades artísticas (“Sindicato...” terminou vencedor).
Assim como Elia Kazan, Dmytryk foi um diretor relacionado ao comunismo durante os anos 1950, integrando a lista negra do Senador Joseph McCarthy. E assim como Kazan, ele declinou de suas convicções ideológicas para delatar companheiros e permanecer em atividade em Hollywood.
No subtexto que acompanha “A Nave da Revolta” temos, então, uma trama que se debruça a explicar e justificar um julgamento onde um ato, em princípio condenável –o motim contra um oficial superior –adquire ares dúbios diante das personalidades dos envolvidos e dos detalhes minuciosos e pertinentes que passaram despercebidos.
Com efeito, até mesmo o personagem possivelmente visto como o vilão, o militar em julgamento, é reiterado como mais uma vítima das circunstâncias.
A bordo do U.S.S. Caine, um velho navio de guerra destinado a executar a varredura de minas marítimas durante a Segunda Guerra Mundial, o jovem oficial Keith (Robert Francis) se depara com a instabilidade crescente do novo comandante, o capitão Queeg (Humphrey Bogart num de seus mais espetaculares trabalhos), cujos rompantes de indignação para com condutas irrisórias dos recrutas, as ordens estapafúrdias dadas com rigor descabido e a constante impressão de hostilidade intelectual para com os demais oficiais podem indicar um quadro preocupante de paranóia.
Aliado aos preocupados oficiais Maryk (Van Johnson) e Keefer (Fred MacMurray), Keith chega a cogitar uma audiência com um almirante a fim de denunciar seus temores de uma complicação iminente. Ela surge, entretanto, durante uma tempestade que ameaça virar o navio, o que obriga o Tenente Maryk a destituir o negligente Queeg de seu posto de comando.
Conduzidos por esse exaspero, os personagens são assim levados ao julgamento que ocupa o terço final do filme, quando Maryk deve ser submetido à corte marcial e a dúvida –teria ele ou não se amotinado? –respondida.
Seu defensor é o niilista Tenente Greenwald (o magnífico José Ferrer).
Compreendendo intrinsecamente as complexidades movediças e existenciais que uma circunstância assim acarreta (refletidas com perfeita noção de analogia em suas próprias experiências), o diretor Dmytryk vislumbra as implicações humanas que se entrevê através da suposta solidez de conduta moral vigente na Marinha, e ressalta as margens de erro improváveis com este roteiro relativamente bem equilibridado no seu ritmo e na sua administração dos fatos –o roteirista Stanley Roberts só não domina com destreza as passagens que tentam ilustrar o relacionamento amoroso de Keith em conflito com sua harmonia familiar, tópicos, no entanto, que estão longe de serem centrais ao filme.

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