Pela sua maleabilidade moral, pelos estatutos
ainda indefinidos sobre direitos juvenis e pela atitude politicamente incorreta
de algumas produções do período, a década de 1980 foi uma época perfeita para o
surgimento de alguns justiceiros adolescentes na ficção; embora o cinema já
tivesse experimentado anteriormente, de forma magnífica, com essa ideia em
“Bonnie & Clyde”, de Arthur Penn, e “Terra de Ninguém”, de Terence Malick.
É à esses títulos que se une, com bem menos ambição, o descontraído “A Lenda de Billie Jean”.
Moradores de um trailer numa cidade do
centro-sul americano, a personagem-título Billie Jean e seu irmão mais novo
Binx (interpretados pelos irmãos na vida real Helen e Christian Slater) se
envolvem numa confusão que galga para um caso policial que compromete a
segurança dos dois jovens: Num inocente passeio ao lago, eles são importunados
pelos valentões locais. Binx tem sua lambreta roubada e, mais tarde, devolvida
em cacos.
Billie Jean –que chegou a recorrer à polícia em
vão ao denunciá-los ao Tenente Ringwald (Peter Coyote) –procura pelo pai de um
dos jovens, o negociante Sr. Pyatt (Richard Bradford), desejosa de justiça e de
que sejam ressarcidos os 608 dólares do conserto da lambreta.
Porém, tudo o que a jovem consegue é sofrer uma
tentativa de estupro, interrompida pelo seu irmão que, sem querer, acerta um
tiro no ombro do Sr. Pyatt.
Está, portanto, armada a confusão. Acusados de
roubo e tentativa de homicídio pelos vilões de fato, e perseguidos pela polícia
(os agentes da Lei, neste filme estão entre os mais obtusos e palermas do
cinema!), Billie Jean e Binx unem-se às amigas Ophelia (Martha Gehman) e Putter
(Yeardley Smith) para juntos fugirem pelas estradas.
Quase alheio à esses jovens, no entanto, surge
um culto em torno de Billie Jean e sua gangue: Em grande parte incitado pela
ganância do próprio Sr. Pyatt, que passa a vender fotos, camisetas e toda sorte
de produtos relacionados à Billie Jean, ela passa a ser reconhecida como uma
‘Robin Hood’ moderna, a quem passam a ser atrelados crimes que ela nem mesmo
cometeu –e apesar da fama crescente de fora-da-lei e da insistência de uma
imagem publicitária onde exibe uma pistola, a protagonista não empunha uma arma
em nenhum momento do filme.
Um pertinente olhar sobre a ainda perene
idolatria aos marginalizados e perseguidos que vez ou outra comove a mídia
(ainda que travestido de saborosa aventura juvenil), “A Lenda de Billie Jean”
funciona até os dias de hoje pela postura perspicaz que adota diante da própria
premissa. Nesse sentido, é particularmente notável a cena em que Billie Jean,
após assistir ao filme “Joana D’Arc” (aquele com Ingrid Bergman) e
identificar-se plenamente com as circunstâncias de sua heroína, decide cortar
suas longas madeixas e gravar, com o auxílio de um inesperado aliado
cinegrafista (Keith Gordon, que depois virou diretor de cinema), um vídeo expondo
sua indignação e as convicções justas, e até bem modestas, de sua cruzada
pessoal.
Eis uma reflexão sobre
inconformismo um bocado certeira, tocante e surpreendente para um filme de
entretenimento dos anos 1980.
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