quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Perseguidor Implacável

Go ahead, punk! Make my day.”
A afirmação embutida nas palavras pesadas do policial Harry Callahan –cujo apelo, no fim das contas, é intraduzível para o português –dá perfeita noção do teor beligerante e sardonicamente fascista do personagem; e isso se enfatiza quando sabemos que tal sentença é dita com ele segurando sua famigerada arma, uma Magnum 44, contra a cabeça de um criminoso rendido.
Oriundo do cinema sem muitas concessões dos anos 1970, “Perseguidor Implacável” não abraça a ideologia de seu protagonista, mas também não a problematiza: À beira de ser um vigilante urbano que faz justiça com as próprias mãos, o policial Callahan é apelidado pelos colegas da jurisdição de ‘Dirty Harry’ (Harry, o Sujo), devido à sua disposição casca-grossa em fazer o que os outros, em geral, não fazem –e de ter estômago para realiza-lo.
O caso do qual testemunhamos Callahan se ocupar é de um assassino cujas atrocidades têm ganhado o clamor popular da abalada comunidade de São Francisco; e as similaridades com o caso real do Zodíaco –psicopata lendário nunca capturado cujas atividades se deram no período em que o filme foi produzido –não são coincidências.
Nem tampouco clichês: O filme dirigido por Don Siegel não se detém na busca pelo assassino como se poderia deduzir. O ‘Scorpion’, como ele é chamado aqui (interpretado com ameaçadora petulância por Andrew Robinson), até não demora muito a ser preso; numa sequência formidável que serviu de modelo para inúmeros filmes policiais que se prezam e que vieram depois. Na verdade, o que o roteiro escrito por Harry Julian Fink, Rita M. Fink e John Milius, em colaboração com Terence Malick (o lendário diretor de “Além da Linha Vermelha” e “A Árvore da Vida”), quer mesmo é colocar em perspectiva a percepção da lei e do crime, do certo e do errado, e a sua execução prática junto a um âmbito de ambiguidade moral.
O bandido vale-se da inconstância da opinião pública e da imprensa sensacionalista para posar de coitado, trazendo as críticas para o procedimento da polícia –e ter um tira da truculência singular de Dirty Harry Callahan em seu encalço torna-se um prato cheio –e conseguindo, com isso, liberdade e impunidade para tornar a praticar sua perversidade.
A violência desmedida é mais intolerável quando se expressa do lado da lei, ou do lado do crime? –é o que o filme, em seus momentos mais poderosamente reflexivos parece perguntar ao expectador; sem, no entanto, oferecer maiores indícios de resposta.
Em vez disso, ele comparece com uma atmosfera densa e intensa, um protagonista sólido, intransigente e sem concessões (e que encontra em Clint Eastwood uma personificação hipnótica) e uma narrativa amparada numa visão niilista e corrosiva da dicotomia entre a força policial e a bandidagem, moldada no tom realista e quase sempre ultrajante daquele período.
Todos pormenores que conduzem às atordoantes sequências finais do filme, onde Dirty Harry toma a decisão de quebrar completamente as regras e empregar seus métodos nem um pouco ortodoxos na neutralização definitiva do criminoso.

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