Ao vermos a estrela de “A Princesa e O Plebeu”
e “Bonequinha de Luxo” e o astro de “As Aventuras de Tom Jones” juntos em cena,
somos levados a presumir que o filme que reune Audrey Hepburn e Albert Finney
seja uma comédia romântica, mas este não é exatamente o caso, na verdade, “Um
Caminho Para Dois”, de Stanley Donen, até trata o amor e a relação à dois com
um bocado de cinismo.
O casal central interpreta Joanna e Mark. Na
cena que inicia o filme eles são casados há uns bons doze anos –e os desgastes
típicos da relação já se abatem com evidência sobre eles, sublinhados pela
visível tendência natural de Mark em enxergar o ônus em tudo.
Longe do otimismo e da inocência de “Cantando
Na Chuva” ou de “Sete Noivas Para Sete Irmãos”, Donen conduz seu trabalho
impregnando-o do viés questionador que definiu os anos 1960 e, pautado nessa
postura, passa o restante de todo o filme a ir e vir no tempo, percorrendo
todos esses dozes anos e vislumbrando os extremos experimentados pelo
relacionamento de Joanna e Mark, desde quando ele começou, quase ao acaso,
durante uma confraternização entre ele, um mochileiro à solta pela Europa, e um
grupo de moças viajantes –entre às quais, Joanna e uma ainda muito jovem
Jacqueline Bisset, antes da fama.
Abraçando o sub-gênero do road-movie, o filme
de Donen inusitadamente se desenvolve sempre com os dois protagonistas em
transição tanto física quanto afetiva, na inércia de alguma viagem; seja
durante a turbulenta viagem de carro ao lado de um casal de conhecidos cuja
filha mimada lhes pôs os nervos à prova (exatamente num momento em que Mark e
Joanna deliberavam a possibilidade de terem filhos); seja na ocasião em que
eles viajaram juntos pela primeira vez, quando um surto de catapora fez com que
todas as outras amigas de Joanna se hospitalizassem deixando-a sozinha com
Mark; sejam as inúmeras viagens que fizeram e nas quais inescapavelmente
discutiram a relação, ou a viagem em que os vemos já contemplando a amarga
possibilidade do divórcio –aquela que inicia e termina o filme.
A postura de Donen deliberadamente evita
sentimentalismo fácil, assim como a presença de Albert Finney em momento algum
deseja abraçar a obviedade de um galã romântico. Tais decisões minam
completamente as chances desta obra agradar aos expectadores adeptos de uma
história de amor que porventura imaginarem que verão aqui algo nos moldes de “O
Candelabro Italiano” –o filme de Donen é sim emoldurado por cenas de
cartão-postal, mas essa aparência turística só serve para encobrir com enfeites
enganosos uma trama que se foca muito mais nos percalços ásperos e espinhosos
do relacionamento, as arestas quase sempre aparadas por Hollywood quando o
assunto é romance.
De quebra, a direção de
Donen intercala esse inventário não linear das pequenas crueldades que os
casados infligem uns aos outros com um encadeamento notável e admirável de
rimas visuais a solidificar sua narrativa do início ao fim.
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