segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Um Caminho Para Dois

Ao vermos a estrela de “A Princesa e O Plebeu” e “Bonequinha de Luxo” e o astro de “As Aventuras de Tom Jones” juntos em cena, somos levados a presumir que o filme que reune Audrey Hepburn e Albert Finney seja uma comédia romântica, mas este não é exatamente o caso, na verdade, “Um Caminho Para Dois”, de Stanley Donen, até trata o amor e a relação à dois com um bocado de cinismo.
O casal central interpreta Joanna e Mark. Na cena que inicia o filme eles são casados há uns bons doze anos –e os desgastes típicos da relação já se abatem com evidência sobre eles, sublinhados pela visível tendência natural de Mark em enxergar o ônus em tudo.
Longe do otimismo e da inocência de “Cantando Na Chuva” ou de “Sete Noivas Para Sete Irmãos”, Donen conduz seu trabalho impregnando-o do viés questionador que definiu os anos 1960 e, pautado nessa postura, passa o restante de todo o filme a ir e vir no tempo, percorrendo todos esses dozes anos e vislumbrando os extremos experimentados pelo relacionamento de Joanna e Mark, desde quando ele começou, quase ao acaso, durante uma confraternização entre ele, um mochileiro à solta pela Europa, e um grupo de moças viajantes –entre às quais, Joanna e uma ainda muito jovem Jacqueline Bisset, antes da fama.
Abraçando o sub-gênero do road-movie, o filme de Donen inusitadamente se desenvolve sempre com os dois protagonistas em transição tanto física quanto afetiva, na inércia de alguma viagem; seja durante a turbulenta viagem de carro ao lado de um casal de conhecidos cuja filha mimada lhes pôs os nervos à prova (exatamente num momento em que Mark e Joanna deliberavam a possibilidade de terem filhos); seja na ocasião em que eles viajaram juntos pela primeira vez, quando um surto de catapora fez com que todas as outras amigas de Joanna se hospitalizassem deixando-a sozinha com Mark; sejam as inúmeras viagens que fizeram e nas quais inescapavelmente discutiram a relação, ou a viagem em que os vemos já contemplando a amarga possibilidade do divórcio –aquela que inicia e termina o filme.
A postura de Donen deliberadamente evita sentimentalismo fácil, assim como a presença de Albert Finney em momento algum deseja abraçar a obviedade de um galã romântico. Tais decisões minam completamente as chances desta obra agradar aos expectadores adeptos de uma história de amor que porventura imaginarem que verão aqui algo nos moldes de “O Candelabro Italiano” –o filme de Donen é sim emoldurado por cenas de cartão-postal, mas essa aparência turística só serve para encobrir com enfeites enganosos uma trama que se foca muito mais nos percalços ásperos e espinhosos do relacionamento, as arestas quase sempre aparadas por Hollywood quando o assunto é romance.
De quebra, a direção de Donen intercala esse inventário não linear das pequenas crueldades que os casados infligem uns aos outros com um encadeamento notável e admirável de rimas visuais a solidificar sua narrativa do início ao fim.

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