terça-feira, 15 de outubro de 2019

Zatoichi, O Fugitivo

Quatro filmes depois, o célebre personagem do samurai cego já era um reduto ao qual o ator Shintaro Katsu se sentia confortável. Sua quarta aventura se equilibra com alguma desenvoltura entre um filme comercial que busca se manter por si só, com começo, meio e fim, bem definidos e todas as informações pertinentes devidamente esclarecidas dentro de sua duração, e o fato presente em menções, referências e pequenas pistas de que muito do que se desenrola aqui teve seu princípio ocasionado em algum dos filmes anteriores.
Devido aos acontecimentos dos três filmes anteriores, Zatoichi tem sua cabeça colocada a prêmio por nada menos do que quatro clãs yakuza diferentes (!), o que explica, logo no começo, a avidez com que um jovem pobre tenta atacá-lo desprevenido.
Zatoichi o mata em legítima defesa, mas isso não o impede de procurar pela mãe do infeliz e prestar-lhe alguma ajuda. Entretanto, a mãe do rapaz é empregada na casa de Kanichi (Jun’ichirô Narita), jovem ascendente na hierquia da yakuza local, fator que trata de envolver Zatoichi em contratempos que ele desejava evitar.
Em meio a inúmeras intrigas e conspirações (que comparecem, neste roteiro, em intensidade muito maior que nos filmes anteriores), Zatoichi reencontra Otane (Masayo Banri), um amor do passado –e que chegou a dar as caras no primeiro e no segundo filme –no entanto, agora as coisas estão diferentes: Otane vive com um samurai rude e calado (Jutarô Kitashiro), contratado de um dos senhores da yakuza que representa, neste filme, o maior desafio para Zatoichi; ele almeja uma chance de matar o samurai cego cuja fama no Japão feudal cresce cada vez mais em função de suas façanhas.
Numa fórmula já testada, comprovada e executada com bastante especialidade pelo diretor Tokuzo Tanaka (diretor deste e do filme anterior, as duas primeiras aventuras em cores do personagem), todos esses tópicos conduzem ao entrecho final, um dos mais eletrizantes e bem acabados da saga, onde o protagonista se vê encurralado numa antiga casa caindo aos pedaços à beira do lago, com dezenas de samurais à sua espera lá fora, e vários personagens e suas próprias motivações a confrontá-lo lá dentro.
Roteirizado por Seiji Hoshikawa, estreante na série, “Zatoichi, O Fugitivo” carrega elementos ligeiramente diferenciados que espelham a personalidade desse novo roteirista, como um interesse maior e renovado por intrigas políticas e, como consequência disso, um número maior de coadjuvantes a dividir a tela com o protagonista, e outras características como a ambiguidade emocional presente no desfecho –quando uma dúvida acerca da lealdade de Otane para com Zatoichi paira no ar –e o emprego de um antagonista desta vez sem maiores ligações esboçadas com o personagem principal, o que faz dele quase uma força da natureza a se impor contra o herói. Um adendo inédito, sem dúvida.
Se em tudo o mais “Zatoichi, O Fugitivo” flerta perigosamente com a repetição de padrões que se apresentaram em todos os outros filmes –o início e o final são terrivelmente similares a despeito dos esforços do diretor para dar-lhes uma roupagem distinta –ao menos, seu encerramento tem uma pequena nota dissonante de melancolia.
Numa singela dança, tão evocativa quanto comemorativa, Zatoichi parte de mais uma aldeia, deixando alguns personagens para trás e outros tantos cadáveres amontoados. Uma amargura que o herói, em sua grandeza, busca ocultar dos demais, mas que o ator Shintaro Katsu, em sua maestria, deixa bem expressa para o expectador.

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