sexta-feira, 29 de novembro de 2019

A Outra Face da Violência

Eis um filme que prima por sua objetividade: Este “Rolling Thunder”, de John Flynn, é um conto de vingança que despe-se de maneirismos de gênero e de firulas redundantes para ir direto ao ponto.
Ele começa e termina com a belíssima canção “San Antone”, de Denny Brooks –em seu prólogo, ela acrescenta melancolia à chegada dos veteranos do Vietnam Major Charles Rane (William Devane, da série “24 Horas”) e Johnny Vohden (Tommy Lee Jones) de volta ao lar após passarem poucas e boas nas mãos dos vietcongues.
Rane foi prisioneiro de guerra por dez anos, o quê explica porque seu filho de doze sequer o conhece, e porque sua esposa lhe confidencia ter procurado por outro homem nesse período –mal está iniciando sua tentativa de readaptar-se à sociedade e Rane já tem de lidar com um divórcio.
Todavia, o filme de John Flynn não sublinha qualquer questão em torno da discriminação sofrida pelos combatentes do Vietnam como o fez “Rambo-Programado Para Matar”. Na verdade, ao chegar em sua cidadezinha, Rane é recebido bem até demais: É louvado como herói, a população o presenteia com um abono considerável em moedas de prata e até arruma uma espécie de fã nas curvas da garçonete Linda Forchet (a belíssima Linda Haynes), mais do que disposta em preencher a lacuna deixada pela esposa.
As coisas mudam de rumo quando um grupo de bandidos, tendo tomado conhecimento das moedas de prata presenteadas à Rane, invade sua casa, obrigando-o a revelar seu esconderijo. Eles não apenas roubam as moedas, como mutilam a mão direita de Rane e matam sua mulher e filho. Mas, Rane há tempos já não é um ser humano normal: A tragédia apenas aciona dentro dele um mecanismo que os horrores da guerra mantiveram devidamente azeitado e pronto para uso –tão logo se recupera, ele sequer pestaneja ou experimenta reações mais humanas como dúvida ou medo; parte direto para a procura pelos meliantes.
Muitos podem afirmar, nessa aridez emocional, que o protagonista não demonstra maiores motivações –e a atuação quase gélida de William Devane auxilia muito para isso.
Contudo, faz parte dos planos do diretor Flynn conceber e expor um personagem genuinamente casca-grossa do início ao fim, assim como também saborear cada ínfimo avanço em direção à sua vingança: “Rolling Thunder” parece não reivindicar qualquer intenção de ritmo, detendo-se em diálogos corriqueiros, até triviais, que ressaltam a difícil inadequação do ex-combatente num meio social comum e demandam algum tempo entre os momentos realmente pertinentes para o plot central, e isso não se deve porque Flynn não dispunha, na época (1977), de produções de ação mais reconhecidas para lhe servir de base; na verdade, essa parece ser mesmo a intenção da narrativa. Contar numa marcha cadenciada –nem apressada demais, nem muito hermética –as engrenagens, ora aflitivas, ora agonizantes, pelos quais podem passar os indivíduos dedicados à árdua tarefa da vingança.
Partindo desse princípio, e do fato de que ele aborda temas muito antes de filmes mais famosos que com eles trabalharam depois (como a justiça pelas próprias mãos em “Desejo de Matar”, e as neuroses do Vietnam no já citado “Rambo”), este filme de John Flynn, roteirizado com precisão por Paul Schrader, vislumbra a incapacidade de viver daqueles homens que estiveram no limiar da morte.
Na espetacular sequência final, um catártico tiroteio num prostíbulo da fronteira México/EUA, o diretor deixa bem claro que para Rane e Vohden (que mergulha na chacina ao lado dele sem titubear) a proximidade da morte e do caos explosivo da batalha lhes é até mais confortável que as constrangedoras e frustradas tentativas de viver em família mostradas atenciosamente ao longo do filme.

Nenhum comentário:

Postar um comentário