Eis um filme que prima por sua objetividade:
Este “Rolling Thunder”, de John Flynn, é um conto de vingança que despe-se de
maneirismos de gênero e de firulas redundantes para ir direto ao ponto.
Ele começa e termina com a belíssima canção
“San Antone”, de Denny Brooks –em seu prólogo, ela acrescenta melancolia à
chegada dos veteranos do Vietnam Major Charles Rane (William Devane, da série
“24 Horas”) e Johnny Vohden (Tommy Lee Jones) de volta ao lar após passarem
poucas e boas nas mãos dos vietcongues.
Rane foi prisioneiro de guerra por dez anos, o
quê explica porque seu filho de doze sequer o conhece, e porque sua esposa lhe
confidencia ter procurado por outro homem nesse período –mal está iniciando sua
tentativa de readaptar-se à sociedade e Rane já tem de lidar com um divórcio.
Todavia, o filme de John Flynn não sublinha
qualquer questão em torno da discriminação sofrida pelos combatentes do Vietnam
como o fez “Rambo-Programado Para Matar”. Na verdade, ao chegar em sua
cidadezinha, Rane é recebido bem até demais: É louvado como herói, a população
o presenteia com um abono considerável em moedas de prata e até arruma uma
espécie de fã nas curvas da garçonete Linda Forchet (a belíssima Linda Haynes),
mais do que disposta em preencher a lacuna deixada pela esposa.
As coisas mudam de rumo quando um grupo de
bandidos, tendo tomado conhecimento das moedas de prata presenteadas à Rane,
invade sua casa, obrigando-o a revelar seu esconderijo. Eles não apenas roubam
as moedas, como mutilam a mão direita de Rane e matam sua mulher e filho. Mas,
Rane há tempos já não é um ser humano normal: A tragédia apenas aciona dentro
dele um mecanismo que os horrores da guerra mantiveram devidamente azeitado e
pronto para uso –tão logo se recupera, ele sequer pestaneja ou experimenta
reações mais humanas como dúvida ou medo; parte direto para a procura pelos
meliantes.
Muitos podem afirmar, nessa aridez emocional,
que o protagonista não demonstra maiores motivações –e a atuação quase gélida de
William Devane auxilia muito para isso.
Contudo, faz parte dos planos do diretor Flynn
conceber e expor um personagem genuinamente casca-grossa do início ao fim,
assim como também saborear cada ínfimo avanço em direção à sua vingança:
“Rolling Thunder” parece não reivindicar qualquer intenção de ritmo, detendo-se
em diálogos corriqueiros, até triviais, que ressaltam a difícil inadequação do
ex-combatente num meio social comum e demandam algum tempo entre os momentos
realmente pertinentes para o plot central, e isso não se deve porque Flynn não
dispunha, na época (1977), de produções de ação mais reconhecidas para lhe
servir de base; na verdade, essa parece ser mesmo a intenção da narrativa.
Contar numa marcha cadenciada –nem apressada demais, nem muito hermética –as
engrenagens, ora aflitivas, ora agonizantes, pelos quais podem passar os
indivíduos dedicados à árdua tarefa da vingança.
Partindo desse princípio, e do fato de que ele
aborda temas muito antes de filmes mais famosos que com eles trabalharam depois
(como a justiça pelas próprias mãos em “Desejo de Matar”, e as neuroses do
Vietnam no já citado “Rambo”), este filme de John Flynn, roteirizado com
precisão por Paul Schrader, vislumbra a incapacidade de viver daqueles homens
que estiveram no limiar da morte.
Na espetacular sequência
final, um catártico tiroteio num prostíbulo da fronteira México/EUA, o diretor
deixa bem claro que para Rane e Vohden (que mergulha na chacina ao lado dele
sem titubear) a proximidade da morte e do caos explosivo da batalha lhes é até
mais confortável que as constrangedoras e frustradas tentativas de viver em
família mostradas atenciosamente ao longo do filme.
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