Pode à princípio parecer estranha à filmografia
de Alejandro Amenábar um drama inspirado em fatos reais –ele que engendrava por
premissas quase sempre pinceladas de fantasia como “Preso Na Escuridão”, “Morte
Ao Vivo” e “Os Outros”.
Embora “Mar Adentro” represente sim um passo na
direção de um cinema mais sério, ele não tarda a mostrar elementos que o
aproximam do estilo de seu realizador: Na atuação passional e incontida de
Javier Barden, na concepção de cenas plenamente oníricas que estilhaçam a
restrição da paralisia de seu protagonista em relação à própria narrativa e na
ilustração visual de idas e vindas no tempo, bem como de impressões subjetivas
diversas, este trabalho exerce a mesma função de seus anteriores ao abordar a
psicologia de seu personagem principal num viés pontuado de imagens
absolutamente cinematográficas.
Ramon Sanpedro (Barden, para variar,
maravilhoso) foi, até seus vinte e tantos anos, um homem que viveu sua vida
plenamente: Viajava para os lugares mais paradisíacos, conhecia pessoas e revelava-se
com freqüência alguém de cultura, inteligência e sensibilidade desiguais.
A trajetória de Ramon sofreu uma guinada
inesperada e trágica quando ele sofreu um acidente –uma queda drástica e
mal-sucedida contra as águas de uma baia –que o levou a viver em estado
tetraplégico por cerca de vinte anos, até concluir, não sem alguma amargura,
que sua vida, da forma como ele a experimentava, era de uma penitência à qual
ele poderia, afinal, dar um fim.
Impelido desse inusitado ideal, Ramon lutou nos
tribunais de justiça da Espanha pelo direito de morrer cometendo eutanásia.
“Mar Adento” faz assim a
escolha de acompanhar a transformação dos muitos personagens que o cercaram
Ramon Sanpedro, evidenciar o modo como ele mostrou a cada um as razões para
viver a vida com plenitude, e ao fim como cada um reage a sua luta pelo direito
da eutanásia. É menos um drama sobre as agruras existenciais da paralisia e
mais um tratado sobre o direito do ser humano às suas próprias convicções,
postura embevecida de beleza e encanto cinematográfico que o levou a conquistar
o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
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