sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Mar Adentro

Pode à princípio parecer estranha à filmografia de Alejandro Amenábar um drama inspirado em fatos reais –ele que engendrava por premissas quase sempre pinceladas de fantasia como “Preso Na Escuridão”, “Morte Ao Vivo” e “Os Outros”.
Embora “Mar Adentro” represente sim um passo na direção de um cinema mais sério, ele não tarda a mostrar elementos que o aproximam do estilo de seu realizador: Na atuação passional e incontida de Javier Barden, na concepção de cenas plenamente oníricas que estilhaçam a restrição da paralisia de seu protagonista em relação à própria narrativa e na ilustração visual de idas e vindas no tempo, bem como de impressões subjetivas diversas, este trabalho exerce a mesma função de seus anteriores ao abordar a psicologia de seu personagem principal num viés pontuado de imagens absolutamente cinematográficas.
Ramon Sanpedro (Barden, para variar, maravilhoso) foi, até seus vinte e tantos anos, um homem que viveu sua vida plenamente: Viajava para os lugares mais paradisíacos, conhecia pessoas e revelava-se com freqüência alguém de cultura, inteligência e sensibilidade desiguais.
A trajetória de Ramon sofreu uma guinada inesperada e trágica quando ele sofreu um acidente –uma queda drástica e mal-sucedida contra as águas de uma baia –que o levou a viver em estado tetraplégico por cerca de vinte anos, até concluir, não sem alguma amargura, que sua vida, da forma como ele a experimentava, era de uma penitência à qual ele poderia, afinal, dar um fim.
Impelido desse inusitado ideal, Ramon lutou nos tribunais de justiça da Espanha pelo direito de morrer cometendo eutanásia.
“Mar Adento” faz assim a escolha de acompanhar a transformação dos muitos personagens que o cercaram Ramon Sanpedro, evidenciar o modo como ele mostrou a cada um as razões para viver a vida com plenitude, e ao fim como cada um reage a sua luta pelo direito da eutanásia. É menos um drama sobre as agruras existenciais da paralisia e mais um tratado sobre o direito do ser humano às suas próprias convicções, postura embevecida de beleza e encanto cinematográfico que o levou a conquistar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

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