quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Perseguição Virtual

Elijah Wood é um astro de médio porte, ator competente com relativa dificuldade em desvencilhar-se de certos tipos de papéis a ele relacionados cuja carreira tem a peculiaridade de incluir um fenômeno sem precedentes no cinema (“O Senhor dos Anéis”); Sasha Grey foi uma das mais celebradas atrizes-pornô de todos os tempos antes de abandonar a categoria e dedicar-se a trabalhos convencionais, provando ter talento e ser capaz de entregar sólidas atuações (além de ser escritora, cineasta, fotógrafa e musicista!).
Duas presenças que representam aspectos incompatíveis e, à primeira vista, heterogêneos do cinema.
E se há algo que diretor espanhol Nacho Vigalondo adora é justapor aspectos incompatíveis.
Neste suspense construído a partir de elementos recorrentes da tecnologia e da modernidade, Vigalondo desenvolve em seu projeto um primor em decupagem mesclando influências como o ‘found-footage’ e o filme de psicopata ao estilo “Jogos Mortais”, sem nunca, no entanto, ceder à elas.
O início de “Perseguição Virtual” é uma cena tipicamente tenebrosa em live-action normal –e será a única cena de características convencionais que veremos; não demora a descobrirmos, por isso mesmo, que ela pertence, de fato, a um filme (ou a um ‘filme dentro do filme’), mais precisamente uma sequência de “Dark Skies”, uma produção sendo divulgada num site, com direito a coletiva de imprensa ao vivo e presença da atriz principal, a badalada Jill Goddard (Sasha Grey, equilibrando maravilhosamente carisma, beleza e vulnerabilidade).
Acompanhando tudo pela tela de seu próprio computador está o jovem Nick Chambers (Elijah Wood, sempre ótimo) que sente-se abençoado pelo sorteio que o escolheu para entrevistá-la. Entretanto, as coisas não saem como o rapaz esperava: Logo, entra em contato com ele, por meio de seu computador, um certo Chord.
De início aparentando gentileza, e mais extraindo informações do que fornecendo, Chord avisa Nick que sua entrevista foi cancelada, mas que o ajudará a ter um pouquinho de sua atriz predileta mesmo assim: Ele hackeia o celular de Jill e passa a mostrá-la na tela do computador de Nick. E através disso, e de outras manipulações extraordinárias que indicam ser ele uma espécie avançada de hacker, Chord leva Nick a acompanhar passo a passo o cerco psicótico que ele faz à Jill, buscando aparentemente colocá-la numa armadilha.
O mais impressionante é que todos os passos de Nick já haviam sido antecipados por Chord: Ele já plantou toda sorte de utensílios tecnológicos em seu apartamento, já tem hackeadas todas as câmeras de segurança que usará para rastrear Jill, e tem tudo minuciosamente planejado para jogar a culpa do que se passa sobre ele.
É realmente impressionante a narrativa que demanda desse novo conceito aqui elaborado: O filme que transcorre na tela é, a rigor, o monitor do computador de Nick tão somente (com exceção do começo e dos dez minutos finais), com a atenção da narrativa indo para uma e outra janela de video aberta a medida que a ação em tempo real se desenrola com visores de celular e de computadores registrando os movimentos dos personagens. É uma evolução pós-moderna do conceito básico que começou com Ruggero Deodato em “Holocausto Canibal”, ou com Michael Powell em “A Tortura do Medo”: Um audaz e muito criativo aproveitamento dos vários recursos de mídias disponíveis com a internet e a informática, empregados numa narrativa tensa e intensa cujos fragmentos de imagens, sons e informações diversas compõem, no final das contas, uma bem elaborada história a ser contada.
Tão a frente de seu tempo talvez seja este trabalho complexo e admirável de Nacho Vigalondo no desenvolvimento desta narrativa que ele até agora originou poucos imitadores, sendo os mais reconhecidos o terror “Amizade Desfeita” e o suspense “Buscando...”, com John Cho.
Detratores podem dizer que o roteiro (escrito pelo próprio Vigalondo) exagera demais no instinto de antecipação do antagonista (certamente, um problema também em “Jogos Mortais”) e que a reviravolta final é um tanto pedante e desnecessária, mas para mim soam como indicativos do estilo de seu diretor –longe de serem defeitos, se não prejudicam em nada a experiência desta obra arrojada, incomum e vibrante.

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