terça-feira, 24 de dezembro de 2019

O Atalante

O diretor francês Jean Vigo realizou apenas dois longa-metragens antes de falecer precocemente aos 29 anos de idade: O clássico “Zero de Conduta” e aquele que é considerado sua obra-prima, este “O Atalante”.
O filme dá nome ao cargueiro fluvial tripulado pelo capitão Jean (Jean Dasté) e pelo velho maquinista Jules (o espetacular Michel Simon).
Na cena-prólogo, Jean se casa com a interiorana Juliette (Dita Parlo) que passa, assim, a fazer parte da rotina à bordo do barco.
A partir da então, Jean Vigo usará do filme e da formidável linguagem cinematográfica nele empregada (e exercida em suas mais fascinantes possibilidades) para expor, em simbolismos flagrantes ou em circustâncias dramaticamente pontuais, as distinções existenciais que separam homens e mulheres: Jean e Juliette representam, portanto, arquétipos da dualidade dos sexos –e o grande trabalho dos atores, por sua vez, jamais permite que a alegoria soterre sua composição –e é pelo prisma dos dois, suas impressões, reações e opiniões, que praticamente toda a narrativa e suas ferramentas irão se submeter: Da convivência à bordo d’O Atalante (suficiente para Jean; enfadonha para Juliette) às histórias de Jules (desestabilizadoras para Jean, mágicas e imaginativas para Juliette), passando pelas próprias expectativas pessoais de cada um (Jean almeja a contínua aventura em seu barco, Juliette quer se estabelecer na cidade grande).
Quando o grupo chega com seu barco à Paris, os fatores homéricos que afastam Jean e Juliette, bem como os impulsos íntimos que os aproximam, já estão devidamente desenhados pela narrativa. E como era de se presumir, a cidade captura o fascínio dela o que só aprofunda ainda mais o desequilíbrio na crise afetiva entre os dois.
Jean enlouquece quando sua esposa o abandona em troca do luxo e do glamour.
Inovador para sua época e despido de convenções para com o gênero romântico que abrange, “O Atalante” alimenta sua própria criatividade narrativa das discrepâncias entre homem e mulher flagradas em todos os âmbitos possíveis –transcedental, físico, sexual, emocional –para, nas diferenças abissais encontradas nessas percepções, vislumbrar um belo e comovente paradoxo: A oposição de todas as impressões práticas que se mostram incompatíveis e que, ainda assim, possibilita o milagre de seu enlace entre dois amantes.
Nas palavras do próprio Jean Vigo: “São necessários três mil metros de filme para dois lábios se unirem num beijo, e quase a mesma metragem para que eles se separem novamente!”

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