sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Lucía e O Sexo

Pode-se presumir algo em relação ao filme de Julio Medem partindo-se apenas de seu título: Que seja um romance (ou, em última instância, um filme de auto-descoberta) carregado de erotismo.
Sob inúmeros aspectos, “Lucía e O Sexo” é realmente isso, mas é também muito mais.
Na ponta inicial do intrincado novelo de lã que acompanhamos está Lucía (a maravilhosa Paz Vega premiada com o Goya de Melhor Atriz Revelação), uma garçonete às voltas com a atenção entre o namorado problemático e seu expediente no trabalho.
É um prólogo todo subjetivo, centrado na protagonista –e, por isso mesmo, a despeito dos eventos que ocorrem ali, todos os personagens que interagem com ela nunca são mostrados.
Ela vai ao apartamento onde vive com o namorado e descobre que os instintos suicidas que aparentemente o vinham consumindo (e que parecem ter minado a relação) podem ter se concretizado: Um telefonema de um policial indica para Lucía que ele foi atropelado, e pode até já estar morto!
Lucía dá um basta: Ela não quer receber a fatídica notícia. E com isso foge. Vai parar na mesma ilha do Mediterrâneo que ele um dia contou a ela que nasceu.
Assim, revelando muito pouco –mas, já ostentando uma protagonista espetacular –o filme de Julio Medem realiza um flashback de seis anos no passado, onde vislumbra outras pontas narrativas soltas que haverão de se juntar na forma de tortuosas trajetórias de outros personagens. Temos, por exemplo, Lorenzo (Tristán Ulloa, de “Preso Na Escuridão”) jovem escritor que, após um interlúdio romântico e praticamente anônimo com a desconhecida Elena (Najwa Nimri, da série “La Casa de Papel”), acaba conhecendo Lucía, que é sua fã, e que a ele se declara de imediato.
Sim, ele é o namorado mencionado no prólogo.
Arrebatado pelo encanto dela (efeito que Paz Vega facilmente desperta também no público), ele passa a viver um ardente relacionamento com ela em seu apartamento enquanto dá asas à sua verve artística dando corpo a novos contos sobre a complexidade das relações humanas.
Já Elena, nesse ínterim, descobre-se grávida de Lorenzo e tem uma filha da qual, anos depois, ele toma conhecimento. Ao mesmo tempo em que dá passos hesitantes para conhecer pouco a pouco a criança –encenando um flerte com a babá dela, a jovem Belém (Elena Anaya) –Lorenzo deposita essas impressões num conto que Lucía lê escondida dele todas as noites.
A alternância desses flashbacks com a rotina idílica e afastada (quase uma fuga) que Lucía impõe a si própria quando isola-se naquela ilha vai mostrar que todos esses personagens fazem parte da mesma fina costura do destino –e que, no roteiro miraculoso e preciosista do diretor, todos terão também uma espécie de desenlace onde se descobrirão partes da história um do outro.
E dizer mais seria revelar o que não se deve.
Essa elaborada ramificação narrativa, na qual a simplicidade da premissa inicial vai dando lugar a uma miríade de desdobramentos românticos e dramáticos, se sobrepõe aos poucos sobre a impressão erótica que o filme passa em seu princípio, embora ele deveras jamais deixe de ser erótico: Os europeus, diferentes dos norte-americanos, não possuem um pudor através do qual se auto-censuram pasteurizando suas histórias de amor e tirando delas todo seu teor sensual, carnal e, no fim das contas, humano.
“Lucía e O Sexo” exala erotismo, mas também tragédia e poesia na forma como vislumbra com beleza inquestionável as entrecruzadas linhas de causa e efeito a que estão submetidas as efêmeras vidas humanas.

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