quinta-feira, 18 de junho de 2020

Goke - O Vampiro do Espaço

Quando os japoneses se lançaram na produção de obras de ficção científica a partir dos anos 1950, eles tinham material para explorar: Celeumas sociais e existenciais pós-Segunda Guerra Mundial; mazelas políticas e psicológicas; e toda uma gramática de cinema distinta do Ocidente para ser absorvida. Dessa vertente, Ishiro Honda e seu “Godzilla” destacaram-se como principais representantes, mas houveram inúmeras produções oriundas inevitavelmente das fileiras do cinema B que se acotovelaram nos circuitos comerciais por um lugar ao sol.
Obscuras até os dias de hoje, algumas delas ganharam certa aura cult.
Em 1968 –mesmo ano de “2001-Uma Odisséia No Espaço” e “Planeta dos Macacos” –o diretor Hajime Satô (realizador de um live-action de “Fantomas” dois anos antes) lançou “Goke-O Vampiro do Espaço” que, nos EUA, recebeu o título de “Body Snatcher From The Hell”, aproximando-o tematicamente do clássico americano “Vampiros de Almas” (“Invasion Of The Body Snatchers”), em comum, ambos têm a audácia de aventurar suas premissas mirabolantes através de recursos limitados (quase escassos, neste caso) e uma subliminar intenção em refletir certos elementos sócio-políticos do mundo real de então em sua analogia.
Muitas dessas peças já são dispostas desde o princípio quando acompanhamos, num voo de avião sobre o Japão, vários personagens, entre eles um político egoísta do Partido Democrático, Senador Mano (Eizô Kitamura), e um empresário armamentista, Tokiyasu (Nobuo Kaneko), que lhe serve de capacho a ponto de ser conivente com os assédios dele para com sua esposa Noriko (Yûko Kusunoki) –a troca libidinosa de favores entre os poderes políticos e a iniciativa privada em arquétipos de pura corrupção.
Emuldorada por uma encenação fuleira de tão precária –a ambientação do avião em si e todos os aspectos técnicos do que veremos mais a frente são risíveis –a situação apresenta os personagens que servirão aos própósitos do diretor Hajime Satô: O piloto Sugisaka (Teruo Yoshida, de “A Rotina Tem Seu Encanto”), a aeromoça Asakura (Tomomi Sato), o professor Sagai (Masaya Takahashi), a jovem viúva norte-americana Sra. Neal (Kathy Horan), um psicólogo de meia-tigela (Kazuo Katô), e mais alguns outros passageiros.
Quando uma mensagem de rádio sugere a possibilidade de uma bomba à bordo, Sugisaka decide passar um pente-fino na bagagem de todos os passageiros enquanto ordena que o avião saia de sua rota e retorne ao aeroporto. Eles não acham a bomba –de posse do desleixado Matsumyia (Norihiko Yamamoto) –mas, encontram um rifle, pertencente a um atirador de aluguel (Hideo Ko), autor de um atentado que vinha alarmando o Sr. Mano desde então. Disposto a escapar, o atirador tenta tomar o avião com uma arma e, durante os tiros e confusões que se seguem, a aeronave acaba caindo no que parecem ser montanhas –em grande parte graças à intervenção de um OVNI que mais parece uma animação tosca –e, então, o filme propriamente dito começa: O que vimos foi uma mera cold open (abertura prolongada) pouco comum em filmes mais antigos.
Os passageiros –reduzidos aos sobreviventes mencionados acima –estão isolados no local aparentemente remoto onde o avião caiu, o qual eles sequer sabem onde é: Devido à tentativa de mudança de rota, o avião pode ter caído em qualquer lugar.
Perdidos, feridos, sem comida, e sem água (embora somente o Sr. Mano expresse insistentemente sua sede), os passageiros não ficam muito tempo somente nesse drama convencional: Ao tentar fugir levando a aeromoça Asakura como sua refém, o atirador depara-se com uma nave alienígena –os efeitos visuais canhestros aliados ao despojamento de sua ambientação fazem parte da brincadeira –e acaba, digamos, ‘abduzido’: Sua testa sofre um bisonho corte vertical que ele ostenta todo o filme (no que francamente faz lembrar uma vagina!!!) e pelo qual entra uma espécie de gosma (!) que acaba possuindo-o: Agora, ele não mais é o atirador (e tal manobra do roteiro explica porque nem seu nome é mencionado), mas sim uma entidade alienígena que muito lembra um vampiro (ele precisa sugar o sangue do pescoço de suas vítimas), embora suas outras características ele não venha a apresentar (como a fraqueza perante os raios solares); e muito pouca coisa mais ficamos sabendo a respeito desse bizarro antagonista.
A mais elaborada explicação vem um pouco depois, quando um certo vai e vem entre quem fica para dentro e para fora do avião resulta em algumas mortes, e Noriko acaba sendo possuída pela entidade (ou algo assim...) e, com voz cavernosa, à beira de um precipício, afirma tratar-se do Gokemidoro, um ser extraterrestre cujo objetivo na Terra é neutralizar a raça humana. Sem mais, nem menos, ela então se atira no abismo (um membro do elenco a menos).
De modo geral, o que “Goke” registra, de maneira muito mambembe e rasteira, são os passageiros brigando por razões às vezes bem idiotas, enquanto entram e saem da aeronave em frangalhos –nesse processo, eles são um a um fulminados pelo Gokemidoro e sua ‘testa de vagina’, um inimigo que poderiam perfeitamente eliminar se não fossem todos tão idiotas: Num determinado momento, a Sra. Neal (uma injustificada presença norte-americana) fica com o rifle em prontidão bem diante do Gokemidoro e descarrega toda sua munição nele, poucos passos a frente dela, e só consegue acertar nas pedras atrás dele (?!).
A verdade é que o diretor Satô parece bastante ciente do nível de pobreza precária ao melhor estilo Jess Franco de sua realização, e usa isso como mote para o que parece ser quase uma comédia involuntária: Tudo em “Goke” é tão caricato e assumidamente ‘kistch’ que o riso só poderia mesmo ser um dos objetivos da produção –e muito contribui para isso o comportamento abilolado dos personagens, para muito além da imaturidade às vezes corriqueira de caracterizações desse expediente de terror: O psicólogo, por exemplo, ostenta um ar intelectual, acompanhado de tiradas descabidas para a situação em que todos estão, e nem me deixem começar a falar da sessão de hipnose de fundo de quintal que ele resolve fazer lá pelas tantas!
Entretanto, não existe demérito ou futilidade no trabalho do diretor Satô: Ele realmente parte de um ponto de partida muito inventivo –e adequado ao espírito econômico da obra –incluindo em sua narrativa até mesmo observações reflexivas sobre o mundo naquele final da década de 1960, como o fato da Sra. Neal ser viúva de um soldado morto no Vietnam (a insistência na lembrança desse detalhe indica que essa talvez seja a única função da personagem no filme), e a crítica embutida nos comportamentos desprezíveis de seus personagens envolvidos direta ou indiretamente com política –desde empresários, terroristas e idealistas até políticos de fato –até mesmo o orçamento quase indigente é, com frequência, contornado com criatividade, nas cenas em que a paleta de cores adquire um vermelho deliberadamente artificial (mais eficaz em gerar o clima), no ritmo sempre apetecível e na tensão relativamente envolvente.
As certezas acerca de sua postura descompromissada em relação ao resultado final só são estranhamente contrariadas quando “Goke” chega em seu trecho final –alongado em inusitadas cenas que se recusam a encerrar o filme –quando os sobreviventes dessa presepada, Sugisaka e Asakura, chegam andando a uma auto-estrada (o que sugere que TODOS poderiam ter ido andando até lá!) e encontram pessoas mortas dentro dos carros e nos postos de pedágios –e por fim, cadáveres nas regiões urbanas.
Corroborando um pensamento muito similar aos autores de ficção científica da época (que começavam a expressar pessimismo quanto ao desempenho humano no planeta Terra), o diretor Hajime Satô mostra um mundo onde o Gokemidoro concretizou seu intento, ainda que tal gesto contrarie o filme fuleiro e hilariamente escrachado que havia entregado antes.

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