Recém-saído daquele que, por um longo tempo,
foi o maior sucesso de bilheteria em terras brasileiras, “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, o diretor Bruno Barreto sabia da pressão que lhe aguardava em seu
projeto seguinte, e foi assim inteligente em entregar uma obra de conotações
similares: De novo, uma adaptação de Jorge Amado; de novo, a presença de Sonia
Braga –repetindo com pompa e circunstância a personagem que ela mesma já havia
interpretado na icônica novela exibida na TV em 1976 –e, de novo, uma obra que
não fugia da mescla popular entre comédia, drama e a contundente malícia do
cinema nacional de então.
Beneficiado pela ótima repercussão de seu
trabalho anterior, além do estrelato crescente de Sonia Braga, que certamente
estendeu-se para além do Brasil nos anos 1980, Barreto também pôde contar com a
presença ilustre do astro italiano Marcello Mastroianni, interpretando Nacib al
Saad, o turco que vem a fazer par com a retirante Gabriela.
É 1925 quando a protagonista chega, após uma
árdua travessia na caatinga, à cidade de Ilhéus, no sertão baiano.
Cozinheira e faz-tudo, como toca a uma
retirante pobre que pretende sobreviver, Gabriela, ainda arredia e pouco
habituada à cidade, consegue emprego no bar-restaurante do turco Nacib.
Entretanto, Gabriela é também uma bela e
atraente mulher, detalhe que não passa despercebido de Nacib cujos rodeios em
torno dela logo se concretizam, fazendo os dois se tornarem amantes e, depois,
se casarem.
Todavia, a vida ao lado de Gabriela passa longe
da normalidade, e Nacib descobrirá que, na independência, ambivalência e
auto-suficiência sexual que Gabriela desfruta não será o genuíno amor que os
une a impedi-la de encontrar sexo em outros lugares que não em sua cama –como
atesta seu interlúdio com o filho de coronel Tonico Bastos (Antônio Cantafora).
Na obra de Jorge Amado e no filme de Bruno
Barreto (pelo menos, até certo ponto), estão em relevo as circunstâncias
machistas e patriarcais que regiam a sociedade de então definida pelo jugo dos
coronéis: Uma pena que, no seu inescapável formato longa-metragem, “Gabriela”,
o filme, diferente da versão folhetinesca e televisiva, não podia conferir
tempo e atenção à todas às tramas e personagens paralelos do livro original,
que aqui, embora apareçam representados por um elenco espetacular –Nicole Puzzi
(no papel de Malvina Tavares), Flávio Galvão (Mundinho Falcão), Nilton Parente
(Maurício Caires), Jofre Soares (Coronel Ramiro Bastos), Lucy Mafra (a trágica
Dona Sinhazinha), Mauricio do Valle (Amâncio Leal), Tania Boscolli (Glorinha),
Ricardo Petraglia (Josué), Lutero Luiz (Manuel das Onças) e Fernando Ramos da
Silva, o “Pixote”, de Hector Babenco (interpretando o garoto Tuíca) –todos têm
presença relativamente curta de cena, com seus arcos dramáticos simplificados
ao máximo. O que também simplifica a extensão da reflexão e do contexto
proposto por Amado em sua obra.
Ainda assim, na beleza das
paisagens capturadas com primazia (a direção de fotografia é de Carlo Di Palma,
de “Blow Up-Depois Daquele Beijo” e “A Era do Rádio”), no sex-appeal inconteste
de sua estrela principal, e nos valores preciosos de produção que reúne (trilha
sonora de Tom Jobim; canção-tema cantada por Gal Costa; direção de arte do
premiado Hélio Eichbauer), “Gabriela” preserva a verve filosófica e serena
através da qual investiga a contestação dos relacionamentos arcaicos e a
transformação dos novos tempos pelo prisma do adultério visto como um sintoma e
não como uma doença da relação, inquietações que Jorge Amado ancorou numa trama
sobre a plenitude no comportamento de uma mulher sem amarras de civilização a
podar seus instintos sensuais e sexuais.
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