segunda-feira, 20 de julho de 2020

True Detective - 1ª Temporada

A primeira temporada da série “True Detective é, ao mesmo tempo, uma obra-prima da parte do escritor Nic Pizzolatto (roteirista de “Sete Homens e Um Destino”) ao conceber um dos mais magníficos retratos de caçada à um psicopata já engendrados, uma aula de direção de Cary Joji Fukunaga e parte essencial do processo de reviravolta na carreira do astro Matthew McConaughey que com esta série e uma sucessão de grandes filmes –“O Poder e A Lei”, “Magic Mike”, “Killer Joe”, “Amor Bandido” entre outros –provou-se o ator competente e destemido que é, característica recém-descobertas que o levaram ao Oscar de Melhor Ator por “Clube de Compras Dallas”.
A série “True Detective”, em si, foi idealizada por Nic Pizzolatto como uma antologia –ou seja, cada temporada dedicava-se a uma única trama com começo, meio e fim, sem ligação com as outras, exceto por sua disposição temática. Isso permitiu agregar à série duas qualidades estratosféricas: A primeira, que seus personagens pudessem ser assim profundamente afetados pelo andamento natural da premissa, pelo transcorrer  plausível do tempo e para que esses efeitos fossem trabalhados diretamente na essência dramática do projeto. A segunda, um tanto consequência da primeira, é que “True Detective”, nas características que reúne, trata-se de cinema do início ao fim; seja na presença de astros muito além do calibre televisivo como McConaughey e Woody Harrelson, seja na direção circunspecta e poderosa de Fukunaga que, com personalidade própria desvencilha-se da comparação com os grandes clássicos desse sub-gênero, “O Silêncio dos Inocentes” e “Seven-Os Sete Pecados Capitais”, ou seja no tratamento conferido à história que, além de detalhes pertinentes relativos à trama e ao desenvolvimento sensacional de personagens, fornece à premissa um viés épico ambientando os acontecimentos em três núcleos distintos de tempos, separados por anos, quase décadas (!).
Assim, elucidando essa imensa carpintaria dramática construída com zelo incomum por Pizzolatto, começamos a história em 2012, quando os já aposentados detetives de polícia Rust Cohle (McConaughey, espetacular) e Marty Hart (Woody Harrelson), retornam a uma delegacia de polícia para prestar depoimentos sobre um caso que ambos, outrora parceiros, resolveram em 1995.
Marty, pai de família, mulherengo, e relativamente esforçado em não deixar que os desdobramentos macabros de seu ofício deixem de torná-lo uma pessoa normal, recebe um parceiro de atitudes estranhas: Colhido pelo pessimismo convulsivo em decorrência da morte da filha e do fim do casamento, Rust é anti-social, pragmático, metódico e, na falta de traquejo em suas relações humanas e profissionais, intolerável.
Mas, é também o homem certo para esmiuçar o caso de uma prostituta assassinada no que parece um ritual satânico, que abala a comunidade rural da Louisiana.
A medida em que a trama vai sendo descortinada em meio ao interrogatório no presente, descobrimos que Rust e Marty acharam indícios de que outras mortes foram perpetradas –eles estavam, pois, no rastro de um serial-killer –e que, de alguma maneira, aquele caso afetou a vida pessoal e a amizade dos dois.
No brilhante quarto episódio, o diretor Fukunaga entrega uma sequência inacreditável constituída de um único take de câmera que percorre casas (interiores, inclusive), ruas e quintais de uma vizinhança, antecipando o virtuosismo assombroso de “1917”, e, logo em seguida, no quinto episódio, há uma espécie de guinada: Os investigadores chegam ao que parece ser um culpado, no entanto, as circunstâncias a cercar essa tentativa de prisão os obriga a encenar um tiroteio que os torna famosos.
Logo, a trama salta de 1995 para 2002, quando já condecorados pelo feito e vivenciando distintas situações domésticas, os detetives são confrontados com a possibilidade do verdadeiro psicopata ainda estar em liberdade, e continuar matando. Sem saber lidar com isso, Rust e Marty entram numa espiral decadente que compromete a vida pessoal e profissional de ambos pelos próximos dez anos, até o destino conduzi-los a um reencontro.
Essa consideração passa a interferir nos momentos mostrados em 2012 –que deixam, cada vez mais, de ser mero artifício narrativo para se tornar parte essencial da trama quando o derradeiro episódio final de aproxima: Afinal, tudo leva os investigadores atuais a suspeitarem de Rust; seu desempenho certeiro no caso, seus comportamentos pouco usuais e propensos à auto-destruição e, sobretudo, o fato de que, mesmo já afastado da polícia, ele continuou rondando as cenas dos crimes que se sucederam.
No entanto, Rust sabe que será ele, ao lado de Marty, que deve encarar e carregar o fardo de encontrar o verdadeiro responsável, nem que essa obsessão o leve junto consigo.
A obra de Pizzolatto e do diretor Fukunaga, pelo tempo e pela dedicação investidos nos personagens e nas minúcias de sua trama, alcança um primor de suspense e detalhamento narrativo assombroso no oitavo e último episódio, dono de um dos marcos de audiência do canal HBO, embora hoje, “True Detective” possa ser enxergada pela perspectiva daquilo que revela ser de fato: Um grande filme de oito horas de duração.
Tão brilhante foi sua execução e tão alto foi o padrão estabelecido que as temporadas que se seguiram à esta primeira (foram duas, até então, com promessa de uma quarta) sequer chegaram perto de equiparar sua excelência.

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