Antes de ele próprio virar referência, a
carreira de Woody Allen teve, em seu início, uma fase profundamente
referencial, onde as maiores influências eram nitidamente Federico Fellini e
Ingmar Bergman. E, como todo o apreciador de Fellini que se preza, era questão
de tempo até que Allen quisesse fazer o seu próprio “Amarcord”.
Assim como sua fonte de inspiração, o filme de
Allen –voltado para o período de sua infância num bairro nova-iorquino nos anos
1940, ao lado de sua espalhafatosa família, todos ao redor do rádio –é
estruturado em forma episódica.
Dessa maneira, enquanto acompanhamos o menino
Joe (vivido por Seth Green, mas cujas peripécias são narradas pelo próprio
Woody Allen que nunca aparece), vemos também, em paralelo, outros personagens
girando ao seu redor, ou que têm suas vidas diretamente relacionadas ao rádio
como veículo de comunicação –como é o caso de Sally White (Mia Farrow, esposa
de Allen na época) que, de garçonete assediada e abusada (e, depois, marcada
para morrer por testemunhar acidentalmente a atividade de um assassino de
aluguel divertido e metódico interpretado por Danny Aielo) torna-se uma grande
estrela depois que consegue domar sua voz estridente.
O rádio é assim o elemento que une um
inventário de histórias de sabor irresistivelmente nostálgico e que remete a
uma encantadora sensação agridoce em seu realizador que ele procura
compartilhar com o expectador: A narrativa hilária sobre o desafortunado
jogador de beisebol vítima de uma sucessão de acidentes que o foram
‘desmontando’ (!); os assaltantes que atendem à ligação aleatória de um
programa de rádio (ao estilo “Qual É A Música?”) e, após responder corretamente
todas as perguntas, conseguem um prêmio considerável para os donos da casa que
foram assaltar; a seqüência em que a atriz Denise Dumont, fazendo as vezes de
cantora brasileira, canta “Tico Tico”; a brusca e breve mudança de tom
promovida pela trágica história da menina Polly Phelps –que, com poucos anos de
vida, caiu dentro de uma pequena tubulação, mobilizando toda comunidade
–noticiada pelos locutores com solícito pesar; a vibrante cena em que os
membros da família, contagiados, começam a cantar “Carioca” interpretada pela
inconfundível Carmem Miranda (numa sucessão de cenas em que Allen enumera suas
músicas preferidas do período e as recordações que vêem com elas); a tia
azarada e solteirona (Dianne Wiest, maravilhosa) que, durante um encontro
noturno, houve ao lado do pretenso namorado a histórica narração radiofônica de
Orson Welles adaptando “Guerra dos Mundos” –e entram em pânico, julgando que é
real –a belíssima cena musical com Diane Keaton; a bela moça que os garotos
espiam dançando nua ao som da música do rádio em seu apartamento só para, mais
tarde, descobrirem que é a nova professora.
Como Fellini, Woody Allen narra esses e outros
eventos com uma satisfação e um encantamento de alguém que resgata as memórias
de infância como se fossem um diamante precioso, e no distanciamento que o
tempo lhes deu, adquiriram assim um brilho, um glamour e um deslumbre que
somente o cinema seria mesmo capaz de incorporar.
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