segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

A Era do Rádio

Antes de ele próprio virar referência, a carreira de Woody Allen teve, em seu início, uma fase profundamente referencial, onde as maiores influências eram nitidamente Federico Fellini e Ingmar Bergman. E, como todo o apreciador de Fellini que se preza, era questão de tempo até que Allen quisesse fazer o seu próprio “Amarcord”.
Assim como sua fonte de inspiração, o filme de Allen –voltado para o período de sua infância num bairro nova-iorquino nos anos 1940, ao lado de sua espalhafatosa família, todos ao redor do rádio –é estruturado em forma episódica.
Dessa maneira, enquanto acompanhamos o menino Joe (vivido por Seth Green, mas cujas peripécias são narradas pelo próprio Woody Allen que nunca aparece), vemos também, em paralelo, outros personagens girando ao seu redor, ou que têm suas vidas diretamente relacionadas ao rádio como veículo de comunicação –como é o caso de Sally White (Mia Farrow, esposa de Allen na época) que, de garçonete assediada e abusada (e, depois, marcada para morrer por testemunhar acidentalmente a atividade de um assassino de aluguel divertido e metódico interpretado por Danny Aielo) torna-se uma grande estrela depois que consegue domar sua voz estridente.
O rádio é assim o elemento que une um inventário de histórias de sabor irresistivelmente nostálgico e que remete a uma encantadora sensação agridoce em seu realizador que ele procura compartilhar com o expectador: A narrativa hilária sobre o desafortunado jogador de beisebol vítima de uma sucessão de acidentes que o foram ‘desmontando’ (!); os assaltantes que atendem à ligação aleatória de um programa de rádio (ao estilo “Qual É A Música?”) e, após responder corretamente todas as perguntas, conseguem um prêmio considerável para os donos da casa que foram assaltar; a seqüência em que a atriz Denise Dumont, fazendo as vezes de cantora brasileira, canta “Tico Tico”; a brusca e breve mudança de tom promovida pela trágica história da menina Polly Phelps –que, com poucos anos de vida, caiu dentro de uma pequena tubulação, mobilizando toda comunidade –noticiada pelos locutores com solícito pesar; a vibrante cena em que os membros da família, contagiados, começam a cantar “Carioca” interpretada pela inconfundível Carmem Miranda (numa sucessão de cenas em que Allen enumera suas músicas preferidas do período e as recordações que vêem com elas); a tia azarada e solteirona (Dianne Wiest, maravilhosa) que, durante um encontro noturno, houve ao lado do pretenso namorado a histórica narração radiofônica de Orson Welles adaptando “Guerra dos Mundos” –e entram em pânico, julgando que é real –a belíssima cena musical com Diane Keaton; a bela moça que os garotos espiam dançando nua ao som da música do rádio em seu apartamento só para, mais tarde, descobrirem que é a nova professora.

Como Fellini, Woody Allen narra esses e outros eventos com uma satisfação e um encantamento de alguém que resgata as memórias de infância como se fossem um diamante precioso, e no distanciamento que o tempo lhes deu, adquiriram assim um brilho, um glamour e um deslumbre que somente o cinema seria mesmo capaz de incorporar.

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