sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Fervura Máxima

Pelo título nacional algo genérico que recebeu e pelo aspecto inicialmente padrão de filme explosivo de ação do período, “Fervura Máxima”, quando foi lançado em 1992 –chegando aqui ao mercado de vídeo logo depois –corria o sério risco de ser confundido, pelos apreciadores desse gênero, com tantas obras convencionais de ação, tiroteio e pancadaria que infestavam as prateleiras das locadoras.
Entretanto, com o tempo, o público e a crítica foram identificando elementos muito singulares, não apenas nele, mas em todas as obras a receber a assinatura desse incomum diretor chamado John Woo.
Uma mescla estilosa entre Sam Penckinpah, Luc Besson e Sergio Leone, o chinês John Woo profissionalizou-se na indústria de cinema de Hong-Kong, logo chamando a atenção para sua maneira desigual de filmar –ângulos desafiadores, tiroteios coreogrados com ares épicos e muita câmera lenta –e passando a ser conhecido e reconhecido em todo o mundo; em grande parte, graças às constantes menções de um fã famoso, Quentin Tarantino, que citou e referenciou seus trabalhos numa série de oportunidades.
“Fervura Máxima” –ou “Lat Sau San Taam” –foi seu último filme realizado em Hong-Kong, pouco antes de sua exportação para os EUA onde filmou “O Alvo”. Nele, nota-se inclusive esforços visíveis para um alcance muito maior do que o mero nicho oriental, como por exemplo os nomes ocidentalizados dos personagens principais, a dupla Tequila (Chow Yun Fat, sempre formidável) e Alan (Tony Leung, primoroso), e o bandidão Johnny (Anthony Wong).
A cena introdutória de “Fervura Máxima” já sinaliza com a personalidade incomum de seu realizador: Tequila, um tira com ares de músico frustrado, toca saxofone num bar. O jazz que pulsa de seu instrumento é a trilha sonora a impulsionar a sequência de cenas iniciais. E o jazz é, também, um elemento precioso para o diretor John Woo que, inspirado em seu ritmo e sua natureza de improviso, constrói algumas das cenas mais desconcertantes e originais vistas no cinema de ação dos anos 1990.
Logo na sequência, um tiroteio apoteótico irrompe a tela deixando claro que a trama, quando muito, obedece aos empuxos físicos almejados por John Woo. No que resultou em uma chacina numa casa de chá, vemos Tequila em conflito pela morte de seu parceiro. Seus superiores não concordam com seus métodos intempestivos (que, não raro, lhes faz perder informantes) e seu casamento com Teresa (Teresa Mo), também ela inspetora de polícia, não anda bem das pernas (e, para piorar, Teresa tem recebido flores de um admirador secreto). Ainda assim, a prioridade para Tequila é vingar a morte do amigo acabando com Johnny, o gangster mercador de armas responsável pelo tiroteio na casa de chá.
Paralelo à trajetória bastante comum do herói policial de Tequila, acompanhamos o outro protagonista, Alan, um assassino de reconhecimento emergente entre a máfia local. Seu então protetor, Hoi (Kwan Hoi-Shan), indispõe-se com Johnny que logo arma uma série de armadilhas para eliminar seu rival Hoi do jogo e para tomar-lhe seu capanga mais valioso, Alan.
Lá pelas tantas, aos trancos e barrancos (porque coerência e plausibilidade não são lá muito essenciais para o roteiro), nos é revelado que Alan é um policial infiltrado –era ele quem enviava flores para Teresa, sendo que os cartões dos buquês continham mensagens cifradas sobre os avanços de sua investigação –e com Tequila ele logo termina fazendo uma parceria.
Embora o roteiro tenha a consideração de dar algum respaldo humano aos personagens, essa faceta acaba quase sempre negligenciada –e penso que os resultados positivos nesse quesito se devam mesmo ao talento da dupla de atores principais –pois, o que interessa ao trabalho de John Woo são os momentos explosivos de ação que ele compõe com requinte quase romantizado; pois lembra muitas vezes a exuberância dos musicais da Antiga Hollywood a carpintaria visual que é dada aos tiroteios vistos aqui (segundo o próprio John Woo, a composição das cenas de ação é realizada com o filme “Amor, Sublime, Amor” em mente).
O trecho final, quando mocinhos e bandidos se defrontam nas dependências de um hospital, é uma sucessão insana de cenas concebidas para serem tão belas quanto inacreditáveis, tão absurdas quanto eletrizantes, e exemplos não faltam: A evacuação no hospital pontuada de momentos sangrentos; a sequência ininterrupta em que Tequila e Alan adentram um corredor, trocam tiros com inimigos, vão para um elevador, saem e tornam a atirar (tudo num único take de câmera!); e o tiroteio dentro da maternidade (com bebês por toda parte!) seguido de um incêndio e explosões (!!).
Verossimilhança pode não ter maiores importâncias para o cinema de John Woo, mas ele compensa esse detalhe entregando imagens arrebatadoras de som e fúria.

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