sábado, 22 de agosto de 2020

O Albergue

Para alguns o maior trabalho até então do diretor Eli Roth é uma exploração gratuita do sadismo humano, para outros é um sopro de renovação no gênero terror nessa década de 2000, indecisa entre um terror mais clássico, uma tendência duvidosa de ‘found-footage’ e uma inclinação extremista para o torture-porn: É essa terceira vertente que “O Albergue” emula com convicção a ponto de ser algo que os outros exemplares desse filme não conseguem ser; um bom filme.
Eis aí, portanto, o simples mistério do filme de Eli Roth.
Paxton (Jay Hernandez, de “Esquadrão Suicida”), Josh (Derek Richardson) e Oli (Eythor Gudjonsson) são três amigos mochileiros em aventuras por Amsterdã. Os dois primeiros são americanos; o outro é finlandês, e todos querem transar com européias –o que, segundo reza o lugar-comum, eles conseguirão facilmente pelos inferninhos do leste-europeu.
Numa noite particularmente mal-fadada (eles são trancados do lado de fora da pousada onde se hospedaram), os três conhecem um jovem que lhes dá uma dica promissora: Mulheres lindas, disponíveis e aos borbotões, podem ser encontradas em Bratislava, uma localidade da Eslováquia, basta ir de trem e seguir suas instruções, pois tal lugar paradisíaco, diz ele, não consta nos mapas turísticos.
De fato, ao lá chegar, o albergue que os recepciona os coloca no mesmo quarto coletivo com duas estrangeiras lindas (Barbara Nedeljáková e Jana Kaderabkova) e adeptas de tirar a roupa por razões irrisórias –de cara, elas convidam todos para frequentar a mesma sauna, sem roupa alguma (!).
Entretanto, como o expectador já adentra o filme sabendo, essas mulheres tão improváveis e maravilhosas servem na realidade como isca: Elas atraem turistas afoitos por sexo, e quando menos esperam, eles se veem vítimas de psicóticos locais.
O roteiro, bastante inventivo e espirituoso de Roth, vale-se de expedientes muito comuns ao gênero do terror –a dicotomia entre sexo e morte –para transformar esses conceitos nos pilares de uma espécie de negócio: Milionários entediados com as experiências já proporcionadas pelo dinheiro, agora, pagam para que possam  perpetrar seu sadismo e sua psicopatia impunemente contra os turistas desavisados.
Não há pois um psicopata de características pretensamente icônicas (como Jason ou Freddy Krueger) em “O Albergue”: Seus psicóticos são pessoas comuns, empresários, pais de família, executivos que, com dinheiro, pagam pela chance de trucidar um ser humano e descobrir como é.
Por isso é que, lá pelas tantas, Oli desaparece –e embora os indícios apontem que ele simplesmente seguiu viagem sem avisá-los, Paxton e Josh ficam com a pulga atrás da orelha. O que não os impede de encher a cara pouco depois e, também os dois, se separarem.
Sozinho e sem seus amigos, Paxton termina descobrindo por último qual era o destino reservado a todos eles desde que toparam rumar de trem para Bratislava: As cenas nas instalações lúgubres onde  as torturas e os assassinatos se sucedem não devem, em gore e sanguinolência, a nenhum exemplar de “O Massacre da Serra Elétrica”, ou aos ‘slashers’, ou mesmo aos infinitamente mais extremos ‘torture porn’ –isso porque a direção de Eli Roth abraça por completo os elementos dessa nova vertente do terror de então (que anos depois começou a dar lugar ao chamado pós-terror), e com isso molda sequências de um grafismo assombroso e mesmerizante. Não à toa, “O Albergue” conta, à título de pura referência, com uma participação especialíssima do mestre Takashi Miike: Sem sombra de dúvida, seu cinema inconformista, anárquico e brutal é uma das fortes influências para o filme de Eli Roth.
“O Albergue” é, assim, um terror sangrento e violento, pesadíssimo na sua proposta e sua execução, contudo, a paixão genuína de seu realizador faz dele uma obra de competência, coerência e honestidade insuspeita muito mais válida que quase todos os demais exemplares dessa famigerada safra.

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