domingo, 23 de agosto de 2020

Virada No Jogo

Julianne Morre venceu o Oscar 2015 de Melhor Atriz por “Para Sempre Alice”, contudo, muitos são os que afirmam que o ponto alto de sua carreira predominantemente cinematográfico foi, por ironia do destino, o filme televisivo “Virada No Jogo”, pelo qual ela conquistou diversos prêmios anos antes, incluindo o Emmy Awards 2011 de Melhor Atriz.
Se “Virada de Jogo” tivesse sido feito para cinema é quase certo que o Oscar seria dela.
O filme também marca a consagração do premiado roteirista Danny Strong (que depois escreveria “Jogos Vorazes-A Esperança”), desenvolvendo uma trama sólida, eficiente e instrutiva a partir de eventos reais de ramificações escorregadias com personagens que não raro resvalam em certa ambiguidade; e ainda configura mais um belo exemplo da faceta desconhecida do diretor Jay Roach, mais conhecido por comédias deliberadamente grosseiras (como “Entrando Numa Fria”) e menos por suas austeras e elogiadas incursões na história da política norte-americana –entre as quais se insere “Virada de Jogo”.
Em 2008, os partidos americanos Republicano e Democrata iniciaram mais uma disputa à presidência da nação tendo como candidatos o veterano John McCain (Ed Harris) de um lado, e Barack Obama, de outro. Logo, ficou claro a grande vantagem populista que o carisma de Obama lhe garantia perante seu adversário.
Tentando compensar o tradicionalismo republicano sugerido pela figura de McCain, o seu principal conselheiro político Steve Schmidt (Woody Harrelson, sempre ótimo) sugeriu uma escolha estratégica para o candidato à vice-presidência: Alguém que despertasse a identificação dos eleitores e eleitoras indecisos, aos quais McCain não tinha apelo.
Entre várias opções logo surge o nome de Sarah Palin (Julianne Moore), governadora do estado do Alasca.
Cristã, ex-prefeita de sua cidade-natal e exercendo o cargo de governadora à 18 meses, Sarah surge como uma escolha providencial: Tinha predicados republicanos o bastante para agradar os ainda reticentes membros conservadores do próprio partido e representava uma opção diferenciada de inclusão capaz de fazer frente à proposta que tornava Obama tão fascinante aos olhos do público.
A aprovação de McCain e de todo o seu comitê eleitoral chegou quando ficou comprovado também que Sarah Palin tinha tanto carisma junto ao público norte-americano quanto seu adversário.
Entretanto, na pressa em realizar um opção bombástica que arrebatasse a eleição, o conselho de McCain deixou passar indícios que, ao longo da campanha, se tornaram gritantes: Nada familiarizada com política externa, a governadora Palin mostrou-se de um despreparo desconcertante em entrevistas que só fizeram abastecer às críticas à campanha de McCain e as várias sátiras que ela própria sofreu no processo –a famosa imitação de Tina Fey é mostrada inúmeras vezes.
Contudo, a própria Sarah não desejava desistir: Por sua competividade natural, pelo desejo de não desapontar McCain e por uma crença legítima (e ingênua) na qual queria o melhor para os EUA, ela submeteu-se a todo o escrutínio da máquina política norte-americana, o que incluiu o circo midiático formado em torno dela e que logo a transformou na figura central da oscilante derrocada da campanha de McCain.
Ela até tentou –seu debate vice-presidencial vitorioso contra o Senador Biden, recriado com primor e euforia é grande exemplo disso –mas, a forte pressão logo cobrou seu preço: Sarah ficou a beira de um colapso nervoso passando à ignorar as orientações de seus auxiliares de campanha.
Quando uma crise era superada, outra surgia: Na reta final da campanha, ciente de que seu apelo junto ao público carregava a popularidade (e os votos) de McCain nas costas, Sarah deixou que um certo estrelismo a afetasse; passou a mudar deliberadamente as decisões do roteiro eleitoral e a contradizer várias alegações feitas no começo à luz de alguma humildade.
O filme de Jay Roach revela detalhes peculiares e novelescos sobre esses bastidores, sempre mantendo um equilíbrio raro e impecável entre o gracejo, a crítica e a compaixão –Sarah Palin é recriada em minimalismos pontuais pela atuação brilhante de Julianne Moore sem cair na armadilha da caricatura e sem ceder à tentação do enaltecimento.
Pode parecer simples numa primeira impressão, mas o que é obtido em “Virada de Jogo” está longe de ser algo fácil ou comum: Um olhar sem retoques das imbricações éticas e circunstanciais da corrida eleitoral, onde seus retratados adquirem humanidade e dignidade, sem no entanto perder o viés de desleixo e falha que os levou à derrota.

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