Pouco interessa aos expectadores de hoje (e
mesmo aos do período em que foi lançado, 1987) o fato de que “Dragnet” foi uma
ideia dos roteiristas Dan Akroyd (também astro), Alan Zweibel e Tom Mankiewicz
(também diretor) de prestar uma homenagem ao gênero noir dos anos 1950 e 60 –em
inúmeros momentos, na verdade, essa intenção de seus realizadores se
transfigura pela empolgação: “Dragnet”, ao inspirar-se diretamente numa antiga
série televisiva homônima (e que ganhou por sua vez um longa-metragem em 1954,
intitulado “Malhas da Lei” aqui no Brasil), também é uma paródia.
Conduzido pela narração em off quase
onipresente do sisudo policial Joe Friday (Dan Akroyd, carregando em
maneirismos que deveriam soar mais engraçados naqueles anos 1980), o filme
acompanha em princípio, uma investigação rocambolesca entremeada por detalhes
da amizade policial entre os dois protagonistas (certamente, um dos mais fortes
clichês do gênero, além de uma tentativa de Akroyd em emplacar mais um ‘filme
de dupla’ junto ao público após o cult-movie “Irmãos Cara-de-Pau”), culminando
numa trama algo mirabolante onde o vilão da vez se apresenta tão megalomaníaco
e translúcido quanto um antagonista de James Bond!
Vários delitos simultâneos intrigam o detetive
Friday, orgulhoso agente de polícia de Los Angeles: Um roubo de carregamentos
de certa revista masculina; um atentado inusitado num zoológico; o
desaparecimento de vários compostos da fórmula de um fertilizante.
Somente depois que recebe a ajuda de seu novo
parceiro, o detetive Pep Streebek (Tom Hanks, cujo carisma contribui e muito
para o filme funcionar em contraponto ao ocasionalmente inadequado Akroyd),
Friday descobre que todos os crimes têm algo em comum: Neles foram deixados
cartões de uma seita misteriosa denominada P.A.G.A.N.
Na busca pela verdade –e na contramão de suas
diferenças irreconciliáveis –Friday e Streebek descobrem um plano engendrado
pelo manipulador Reverendo Whirley (o grande Christopher Plummer) que visa o
controle absoluto de toda Los Angeles, e ainda salvam a vida da pudica Connie
Swain (Alexandra Paul, de “Christine-O Carro Assassino” e “Competição de
Destinos”), o providencial interesse amoroso do herói Friday –e tão virgem
quanto ele (!).
Embora não deixe entrever durante a maior parte
do tempo, graças ao seu humor boboca, “Dragnet” é um trabalho que tem lá suas
alfinetadas de cunho político: O herói Friday, da forma como o filme o
apresenta e como Akroyd o interpreta, é uma caricatura das mais estereotipadas
das posturas e discursos da direita, com o relaxado Tom Hanks servindo de
contra-argumento dos liberais.
E essa auto-consciência está bem inserida no
plano vilanesco final: Patrono da moral e dos bons costumes aos olhos da mídia,
o Reverendo Whirley, ao lado da corrupta Comissária Kirkpatrick (Elizabeth
Ashley, de “Oito Mulheres e Um Segredo”), planeja aliar-se aos seus inimigos
políticos, como o magnata da pornografia Jerry Caesar (Dabney Coleman, ator
prolífico nos anos 1980, fazendo uma visível imitação de Hugh Hefner) para
encenar uma batalha perante o público; e assim fazê-lo de massa de manobra.
É fácil esses elementos passarem despercebidos
do público –à mim, pelo menos, passaram na primeira vez que assisti o filme
ainda garoto –quando eles vêem atrelados a um filme esforçadamente caricato,
ora satírico para com o gênero que aborda, ora pretensioso para com a ação que
tenta evocar (o desfecho se divide em dois momentos de clímax, sendo que o
segundo é injustificado e desnecessário) e cujas piadas, em sua maioria,
funcionavam muito melhor no contexto de sua época do que nos dias de hoje.
Se a intenção era fazer
comédia, pode-se até afirmar que “Dragnet” conseguiu, mas o fez passando de
raspão no fracasso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário