terça-feira, 15 de setembro de 2020

Dragnet - Desafiando O Perigo

Pouco interessa aos expectadores de hoje (e mesmo aos do período em que foi lançado, 1987) o fato de que “Dragnet” foi uma ideia dos roteiristas Dan Akroyd (também astro), Alan Zweibel e Tom Mankiewicz (também diretor) de prestar uma homenagem ao gênero noir dos anos 1950 e 60 –em inúmeros momentos, na verdade, essa intenção de seus realizadores se transfigura pela empolgação: “Dragnet”, ao inspirar-se diretamente numa antiga série televisiva homônima (e que ganhou por sua vez um longa-metragem em 1954, intitulado “Malhas da Lei” aqui no Brasil), também é uma paródia.
Conduzido pela narração em off quase onipresente do sisudo policial Joe Friday (Dan Akroyd, carregando em maneirismos que deveriam soar mais engraçados naqueles anos 1980), o filme acompanha em princípio, uma investigação rocambolesca entremeada por detalhes da amizade policial entre os dois protagonistas (certamente, um dos mais fortes clichês do gênero, além de uma tentativa de Akroyd em emplacar mais um ‘filme de dupla’ junto ao público após o cult-movie “Irmãos Cara-de-Pau”), culminando numa trama algo mirabolante onde o vilão da vez se apresenta tão megalomaníaco e translúcido quanto um antagonista de James Bond!
Vários delitos simultâneos intrigam o detetive Friday, orgulhoso agente de polícia de Los Angeles: Um roubo de carregamentos de certa revista masculina; um atentado inusitado num zoológico; o desaparecimento de vários compostos da fórmula de um fertilizante.
Somente depois que recebe a ajuda de seu novo parceiro, o detetive Pep Streebek (Tom Hanks, cujo carisma contribui e muito para o filme funcionar em contraponto ao ocasionalmente inadequado Akroyd), Friday descobre que todos os crimes têm algo em comum: Neles foram deixados cartões de uma seita misteriosa denominada P.A.G.A.N.
Na busca pela verdade –e na contramão de suas diferenças irreconciliáveis –Friday e Streebek descobrem um plano engendrado pelo manipulador Reverendo Whirley (o grande Christopher Plummer) que visa o controle absoluto de toda Los Angeles, e ainda salvam a vida da pudica Connie Swain (Alexandra Paul, de “Christine-O Carro Assassino” e “Competição de Destinos”), o providencial interesse amoroso do herói Friday –e tão virgem quanto ele (!).
Embora não deixe entrever durante a maior parte do tempo, graças ao seu humor boboca, “Dragnet” é um trabalho que tem lá suas alfinetadas de cunho político: O herói Friday, da forma como o filme o apresenta e como Akroyd o interpreta, é uma caricatura das mais estereotipadas das posturas e discursos da direita, com o relaxado Tom Hanks servindo de contra-argumento dos liberais.
E essa auto-consciência está bem inserida no plano vilanesco final: Patrono da moral e dos bons costumes aos olhos da mídia, o Reverendo Whirley, ao lado da corrupta Comissária Kirkpatrick (Elizabeth Ashley, de “Oito Mulheres e Um Segredo”), planeja aliar-se aos seus inimigos políticos, como o magnata da pornografia Jerry Caesar (Dabney Coleman, ator prolífico nos anos 1980, fazendo uma visível imitação de Hugh Hefner) para encenar uma batalha perante o público; e assim fazê-lo de massa de manobra.
É fácil esses elementos passarem despercebidos do público –à mim, pelo menos, passaram na primeira vez que assisti o filme ainda garoto –quando eles vêem atrelados a um filme esforçadamente caricato, ora satírico para com o gênero que aborda, ora pretensioso para com a ação que tenta evocar (o desfecho se divide em dois momentos de clímax, sendo que o segundo é injustificado e desnecessário) e cujas piadas, em sua maioria, funcionavam muito melhor no contexto de sua época do que nos dias de hoje.
Se a intenção era fazer comédia, pode-se até afirmar que “Dragnet” conseguiu, mas o fez passando de raspão no fracasso.

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