quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Albert Nobbs

Projeto acalentado por muito tempo pela estrela Glenn Close –que nele chegou a colaborar como co-produtora e co-roteirista –a partir do conto de George Moore, este “Albert Nobbs” é um drama dilacerante e contundente sobre os infortúnios abissais da crise de identidade sexual.
Embora seja improvável que o expectador adentre o filme sem saber que o protagonista, o humilde e reservado garçom de hotel, Albert Nobbs, seja na realidade uma mulher, o diretor Rodrigo Garcia demanda algum tempo conduzindo certo suspense até entregar essa revelação.
Na Dublin do Século XIX, onde a vida oferece circunstâncias injustas e desfavoráveis à quase todos de modo geral, a de Albert Nobbs (vivido com meticulosidade ímpar por Glenn Close) é ainda mais ingrata: Uma mulher conduzida pelos tortuosos e absurdos caminhos da pobreza (e da traumática insatisfação pessoal com seu gênero) ao disfarce de um homem de meia-idade, e nele disposta a refugiar-se até o fim.
As perspectivas obscuras de Albert Nobbs, entretanto, adquirem alguma luz quando ele conhece o Sr. Hubert Page (Jane McTeer, fabulosa), e descobre que, também ele, é uma mulher travestida (!), porém, diferente de Albert, Page é independente, seguro de si e vive feliz num casamento com outra mulher (Bronagh Gallagher) que sabe de sua condição.
Como chegar do ponto ingrato em que está até aquele onde o Sr. Page vive uma vida plena? Como obter a parceria de uma mulher de verdade? Essas questões passam a perseguir Albert, agregando a presença de uma sonhada companheira ao seu desejo de comprar uma tabacaria –para o qual ele junta cada níquel obtido no Morrison Hotel onde trabalha sob a tirania amargurada da megera Sra. Baker (Pauline Collins, de “Shirley Valentine”) –e iniciar um negócio próspero, próprio e digno.
Por um capricho cruel do destino, essa companheira, na ingênua concepção de Albert, vem a ser Helen Dawes (Mia Wasikowska), jovem camareira do Morrison Hotel, envolvida por sua vez com o rude e inescrupuloso Joe Macken (Aaron Taylor-Johnson) que a aconselha ceder aos avanços tímidos e polidos de Albert, apenas para dele extrair dinheiro.
Se “Albert Nobbs” reúne todos os elementos que justificam o fascínio da atriz Glenn Close pelo projeto –personagem incomum e cheio de peculiaridades, imensa predisposição ao drama humano, trama conduzida especialmente pela dinâmica entre seus personagens a uma premeditada tragédia de contornos clássicos –esses mesmos elementos, tratados com ênfase nem sempre ponderada pelo diretor Garcia, terminam afastando, por ironia, o expectador.
Num reflexo perceptível em todos os seus trabalhos até então, o diretor Garcia (filho do célebre escritor Gabriel Garcia-Marques) não encontra meios para equilibrar as facetas de contundência dramática que esta obra tem em profusão, e que terminam por contaminá-la além da conta, esse desnível se expressa também na atenção demasiada aos detalhes cenográficos, aos figurinos e à direção de arte, tratados com capricho e zelo, mas tão evidenciados que contribuem para a sensação de sufocamento que o filme não tarda a impor ao público.

Nenhum comentário:

Postar um comentário