O grande problema de “Dois Irmãos” é a
excelência notória de seu estúdio, a Pixar.
Explica-se: Tão habituado seu público cativo
ficou, a esperar deles sempre uma obra-prima –de preferência, capaz de arrancar
lágrimas insuspeitas do expectador como o fazem sem esforços os maravilhosos
“Wall-E”, “Up-Altas Aventuras”, “Divertida Mente” e “Viva-A Vida É Uma Festa”
–que quando essa qualidade estratosférica não chega a ser atingida, a impressão
que fica é a de decepção, mesmo que até lá seja entregue um trabalho criativo,
atrativo e interessante.
Embora traga o primor visual que a cada
realização se mostra mais aperfeiçoado e detalhista, e seja em si um
entretenimento pleno de diversão, emoção, criatividade e graça, “Dois Irmãos” fica
num inédito meio-termo entre os exemplares da Pixar: Está, nos mais diversos
quesitos, bem acima de seus títulos mais esquecíveis (como “O Bom Dinossauro”,
“Vida de Inseto”, “Carros 1, 2 e 3”, “Universidade de Monstros” e “Procurando Dory”), mas não ombreia a magia de suas diversas obras mais aclamadas (caso de
“Procurando Nemo”, “Os Incríveis 1 e 2”, “Monstros S.A.”, “Ratatoille”,
“Valente”, todos os “Toy Story” e os mencionados mais acima).
O que não significa, sobremaneira, que não haja
muito nele a se apreciar.
Ambientado num mundo de fantasia –como também o
era “Monstros S.A.” –“Dois Irmãos” se passa no que seria a era moderna
correspondente das histórias do gênero ‘espada & feitiçaria’: Nele existem
unicórnios, feiticeiros, dragões, centauros, elfos e toda sorte de criaturas
místicas.
Entretanto, a magia ao que parece anda meio
fora de moda, substituída pelo recurso mais conveniente da eletricidade (!);
elfos e outras criaturas vivem assim numa sociedade onde usufruem de internet,
aparelhos celulares e as mais diversas opções tecnológicas, tal e qual os seres
humanos da atual vida real.
O protagonista Ian Lighfoot (voz de Tom
Holland) é um elfo nascido nessas circunstâncias e, a exemplo de muitos jovens
que cresceram rodeados das comodidades da modernidade, ele é inseguro, fato
ressaltado por uma certa ausência do pai, que faleceu quando ainda era pequeno.
Dessa forma, sua família se resume ao irmão
mais velho Barley (voz de Chris Pratt), um garotão imaturo cuja cabeça avoada está
sempre nos jogos de magia e RPG, à sua carinhosa mãe (voz de Julia
Louis-Dreyfuss) e, vá lá, seu padrasto, o centauro (!) Colt Bronco (voz de Mel
Rodriguez).
No dia de seu aniversário de dezesseis anos,
Ian recebe um presente de sua mãe: Uma instrução de seu pai para que pudessem,
mesmo após sua morte, passar ao menos um dia inteiro com ele (!); trata-se de
um cajado antigo, usado para magia.
Se na mão do irmão Barley, o cajado não surte
efeito, na de Ian –que revela uma inesperada aptidão para magia herdada do pai
–ele termina por produzir o feitiço que traz de volta o pai. Ao menos, em
parte: Somente da cintura para baixo (!).
A ‘pedra-fênix’ usada para tal feitiço não
havia sido o suficiente; para ter seu pai por inteiro, matar a saudade e (no
caso de Ian) finalmente ter a carência de sua presença preenchida, os irmãos
precisam obter uma outra ‘pedra-fênix’ em menos de 24 horas –pois o feitiço
prevê apenas esse período para que possam ficar com ele.
Assim, Ian e Barley empreendem uma jornada
–cujos avanços correspondem, em parte, aos jogos de tabuleiro e de aventura que
parecem querer, muito ao seu jeito, homenagear –que é também uma aventura de
descoberta (na qual os irmãos, tão diferentes entre si, perceberão o quanto são
essenciais um para o outro) e de auto-afirmação (Ian adquire a coragem, a
auto-confiança e a iniciativa que antes lhe faltavam).
É uma obra de apelo profundamente emocional,
transcorrida no contexto de um ambiente mágico e fantástico, propício à imagens
acachapantes, como só a Pixar sabe fazer; se o sabor que fica na boca ao final
é de um prato que já foi melhor servido em outras ocasiões, isso muito se deve
ao fato de grande parte de sua equipe técnica ter sido confiada a artesãos mais
jovens das fileiras da Pixar, e não aos seus experientes gênios de praxe: O
diretor é Dan Scanlon (que estreara na Pixar com “Universidade de Monstros”); a
trilha sonora (incapaz de atingir os acordes comoventes de Michael Giachinno) é
dos irmãos Mychael e Jeff Danna; o único nome mais gabaritado a surgir na linha
de frente em meio aos realizadores desta animação é mesmo Pete Docter (diretor
de “Up”), como produtor executivo.
No entanto, mesmo
capitaneado por profissionais não tão habilidosos, mais vale um longa da Pixar
na mão (ou na tela do cinema ou da TV), do que duas animações convencionais à
disposição.
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