domingo, 6 de setembro de 2020

Tentação Fatal

Durante algum tempo, o sucesso de “Pânico”, de “Eu Sei O Que Vocês Fizeram No Verão Passado” e de “Prova Final” transformou o roteirista Kevin Williamson numa espécie de Midas hollywoodiano da década de 1990. Seus scripts, se não tinham inovação autoral nem inteligência ou relevância artística legítima, ao menos eram sempre sintonizados com a juventude do período e seu gosto particular por expedientes muito específicos do terror (elementos que Williamson certamente sabia manipular muito bem) e por referências à outros exemplares de gêneros cinematográficos de consumo juvenil: Aqui, a maior menção à sobressair-se de alguma redundância é a presença da ex-rainha das comédias românticas oitentistas Molly Ringwald.
Com “Tentação Fatal”, Williamson planejou migrar de roteirista para também diretor, mas tudo o que conseguiu foi, pela primeira vez, deixar público e crítica cientes de suas limitações criativas.
Vinda da série “Dawson’s Creek” –um produto televisivo também ele concebido por Williamson –a jovem e bela Katie Holmes interpreta Leigh Ann, aluna modelo da Grandsboro High School prestes a formar-se e a enveredar numa promissora vida universitária se tudo der certo.
Leigh Ann, contudo, é assombrada pelo fantasma do fracasso: Aquele risco sempre opressivo de que tudo acontecerá de ruim, prendendo-a à vida medíocre daquela cidadezinha, e confinando-a à vida de garçonete da qual sua mãe não foi capaz de se desvencilhar.
E, no momento, ninguém representa melhor esse risco para Leigh Ann do que a amarga e irredutível Sra. Tingle (Helen Mirren, poderosa e altiva), a professora de história da escola, temida por alunos e até mesmo por membros do corpo docente.
É dela que depende a nota A que Leigh Ann precisa tirar para ser a melhor colocada na escola, o que irá lhe garantir uma vaga na bolsa de estudos que permitirá a realização de seus sonhos.
Mas, a Sra. Tingle é osso duro de roer, e parece ter um sadismo ao assistir a derrota de seus alunos em geral e de Leigh Ann em particular.
Numa ocasião especialmente delicada, ela flagra Leigh Ann com seus dois amigos, Luke (Barry Watson, da série evangélica “O Sétimo Céu”), e Jo Lynn (Marisa Coughlan), de posse de uma cópia de uma de suas provas finais –e, embora inocente da travessura armada pelos dois amigos, é Leigh Ann quem irá prejudicar-se mais por isso.
Ela procura pela Sra. Tingle em sua casa para esclarecer o mal-entendido, mas o diálogo, testemunhado por Luke e Jo Lynn, não é em nada amistoso: A professora maldosa faz questão de deixar bem claro que não vai abrir mão da única oportunidade que teve para acabar com as chances da aluna perfeitinha.
Numa progressão de contratempos que só poderia partir mesmo da ficção –assim como (espera-se!) só poderia partir mesmo da ficção uma personalidade tão absurdamente rancorosa, cruel e apática como Sra. Tingle –Leigh Ann e seus amigos acabam sem querer atingindo de raspão a Sra. Tingle com uma flecha (!), deixando-a desacordada; a saída, para não piorar ainda mais suas denúncias, é amarrá-la em sua cama e esperar, nos dias que se seguem, uma solução aparecer, uma vez que certamente, ela não partirá da nada razoável Sra. Tingle.
Na comparação com as outras criações de Williamson, “Tentação Fatal” carrega menos no terror e mais no suspense, ao centralizar a premissa numa situação-limite resumida a uma simples ambientação (um roteiro planejado para facilitar ao máximo a tarefa de Kevin Williamson como diretor estreante), discorrendo sobre as aflições adolescente emolduradas pela atmosfera de preocupação que ele tão bem sabe administrar.
O trecho final, onde as tensões se afunilam com repercussões mais físicas entre os antagonistas ganha certo viés eletrizante, contudo, Williamson não é um diretor tão entrosado nos fundamentos do terror a ponto de saber transgredi-lo (como Wes Craven em “Pânico”), nem tão audacioso para com as ferramentas narrativas do próprio cinema (como Robert Rodrigues em “Prova Final”); o resultado de seu trabalho, na maior parte do tempo, é genérico e acomodado, sublinhando tão somente os ocasionais lampejos inspirados do roteiro (que nem se releva tão brilhante assim).
Uma crítica que tornou-se chavão a respeito desse filme –e da qual nenhum comentário provavelmente é capaz de escapar –é a afirmação de que, se o filme se destaca em alguma coisa, é na presença sempre impecável da dama Helen Mirren, saindo léguas na frente do fraquíssimo elenco jovem, e construindo uma vilã desequilibrada e sádica, tirando de letra a inverossimilhança em sua psicologia e ressaltando o elemento que, no final das contas, importa a um filme desses: A diversão.

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