Ao lado de “O Vício”, de Abel Ferrara, “Amantes
Eternos”, de Jim Jamursch é um dos filmes de vampiros mais originais e
peculiares do cinema.
Isso porque, na concepção de Jarmusch
absolutamente desinteressada dos tópicos de obras de terror, o conceito do que
quer que seja um vampiro passa pela consciência de uma eternidade mergulhada
nos mesmos questionamentos filosóficos que assolaram o subconsciente da
humanidade por séculos e séculos; seres imortais, portanto, presentes em cada
uma dessas etapas de lento, doloroso e aterrorizante aprendizado teriam uma
maneira distinta de absorver as impressões do mundo.
Quão diferente, então, seriam esses seres, em
seu comportamento e em sua mentalidade, dos humanos mortais e normais, em sua
inércia de uma vida fugaz e finita?
“Amantes Eternos” se ocupa de refletir sobre
essa pergunta; o que não necessariamente significa que, ao fim, ele a tenha
respondido.
Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Winton) são
dois vampiros –e, nos nomes adotados para esses personagens não apenas fica
explícita a simbologia religiosa como em mais de um momento Jarmusch brinca com
a sugestão de poderem ser eles o Adão e a Eva originais descritos na Bíblia
(!); criaturas que carregam em si o peso imponderável de incontáveis séculos de vida.
Adam vive recluso em Detroit nos EUA. Eve mora
em Tânger, no Marrocos.
Ambos, porém, são (ou foram) casados.
Ele passa suas noites fazendo encomendas
excêntricas ao jovem Ian (o saudoso Anton Yelchin) que lhe providencia mimos
como guitarras de fabricação raras para sua coleção.
Ela tem a ocasional companhia de Kit (John
Hurt), vampiro veterano de aspecto envelhecido que seria Christopher Marlowe,
revolucionário poeta do Século XVI –e para tanto, Jamursch o leva a declamar
profundas considerações sobre o mundo e suas mudanças desde então.
Os vampiros retratados por Jamursch não são os
assassinos caçadores que estamos acostumados a ver nos dias atuais –e também
não são os despropositados românticos que brilham no sol, não se preocupe! –fazer
uma vítima a cada noite não é uma atitude prudente; assim, Adam e Eve criaram
métodos específicos para obtenção de sangue. Ele, por exemplo, visita um banco
de sangue onde tem um acordo com o clínico-geral (Jeffrey Wright) e consegue
litros de O positivo.
Assim, sem a necessidade de preencher seu tempo
com perseguições às vítimas eventuais o que fazem os vampiros? Para Jamursch,
eles usam de seu tempo vasto para absorver o que de melhor existe na cultura
humana: A arte.
Daí a fascinação de Adam por relíquias musicais
que ele empilha em sua casa, e sua obsessão com música, fotos antigas e outras
coisas; Eve, por sua vez, imerge na literatura (sua velocidade de leitura é
algo sobrehumano!) o que lhe proporcionou, ao longo dos séculos uma prosa
reflexiva que vai das elucubrações quânticas de Albert Einstein aos humores
instáveis de gênios da literatura em questão de poucas palavras.
Os vampiros de Jamursch são, pois, quase como
filósofos de botequim que contemplam o melhor e o pior da humanidade do alto de
uma existência longeva.
Não quer dizer que, em algum momento, eles não
terão seus contratempos bem mundanos: Quando Eve volta aos EUA para ficar um
tempo com Adam, logo em seguida aparece sua inconveniente irmã, Ava (Mia
Wasikowska), também vampira, porém mais jovem, mais inconsequente e mais ávida
por sangue a ponto de afrontá-los com sua imprudência. Os atos de Ava acabam
obrigando Adam e Eve a regressarem a Tânger, onde outros percalços da vivência
de um vampiro os aguarda.
Os mais rabugentos para com o cinema de Jim Jamursch
afirmaram que ele se vale do tema dos vampiros apenas para fornecer uma moldura
diferencial para seus questionamentos filosóficos de sempre, embasados por
posturas underground típicas de seu cinema, no entanto, há que se reconhecer,
não somente a corajosa manutenção das mesmas inquietações que fazem seu estilo
desde que se dedicou a um cinema independente e autoral, como também a precisão
com que sua técnica e seu modo de filmar combinam tão bem com o interessante
universo concebido para este roteiro repleto de belas ideias e de pertinentes
propostas.
Um grande trabalho –dentro do
sub-gênero dos vampiros, talvez, o melhor da década.
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