terça-feira, 8 de setembro de 2020

Os Espíritos

O próprio Peter Jackson é o primeiro a admitir que “Os Espíritos” representa um importante papel transitório em sua carreira, de um cineasta independente recluso aos filmes de terror de baixo orçamento à um diretor aclamado e reconhecido por seu trabalho magistral no épico “O Senhor dos Anéis”.
Lançado em 1995, “Os Espíritos” foi assim sua última experiência no nicho do ‘terrir’ –o terror com altas doses de humor –que pontuou todo o início de sua filmografia; embora seja, na comparação com obras como “Trash-Náusea Total” e “Fome Animal” uma produção de escopo mais considerável.
Quem tem, portanto, o mérito de primeiro ter percebido o talento do diretor neo-zelandês e lhe dado uma oportunidade mais vultuosa –orçamento com direito a mais variedade de efeitos visuais (numa época ainda embrionária do advento dos efeitos computadorizados), elenco com pelo menos um astro hollywoodiano (Michael J. Fox) –é o também diretor Robert Zemeckis, que aqui assumiu a produção e fez deste projeto um reencontro indireto com o astro de seu “De Volta Para O Futuro”.
Michael J. Fox vive Frank Bannister, o herói –ou, talvez, o anti-herói –que, no roteiro rocambolesco bolado por Jackson e sua esposa Fran Wlash, é uma espécie de médium decadente; ele vai a sistemáticos enterros para oferecer seus serviços como vidente.
Contudo, engana-se quem pensa que Frank é um charlatão: Ele tem, sim, o dom de comunicar-se com os mortos (habilidade adquirida após o traumático assassinato da esposa, crime que ficou sem solução desde então), porém, ele usa tal dom de forma torpe; três fantasmas que ficaram ‘amigos’ seus, Cyrus (Chi McBride, de “O Terminal”), Stuart (Jim Fyfe) e o Juiz (John Astin, pai de Sean Astin) aprontam das suas em lugares previamente combinados, para então Frank aparecer, resolver o problema e ganhar sua grana.
É isso o que acontece, por exemplo, na casa de Lucy Lynskey (Trini Alvarado, de “Tudo Por Um Sonho”), na qual a cerca de seu marido, Ray (Peter Dobson), foi atingida pelo carro de Frank num acidente: Frank despacha os fantasmas para tocar o coreto, depois aparece oferecendo sua ajuda como compensação pela cerca quebrada.
Contudo, já ali, na casa de Lucy, Frank tem um indício da vindoura encrenca na qual se envolverá: No testa de Ray, surge inscrito um número que ninguém, exceto Frank, vê.
Com efeito, Ray aparece morto pouco depois, e Frank passa a enxergar o número em outras pessoas. O seu problema é que, em vez dessas circunstâncias levarem-no à solução dos assassinatos, elas o tornam o suspeito Nº 1 deles aos olhos do transtornado agente do FBI Milton Dammers (Jeffrey Combs, de “Re-Animator”), uma figura entre o patético e o ameaçador, oriunda de um tipo muito específico de humor praticado por Jackson e sua equipe.
Na verdade, todo o filme caminha numa linha de gênero indefinível: Ele tem uma premissa de terror que lhe orienta do início ao fim, com aparições assumidamente pavorosas, e momentos de incontida sanguinolência, ao mesmo tempo que se mostra cômico e divertido em inúmeras ocasiões –aspecto reiterado ainda pela presença sempre carismática do ótimo Michael J. Fox e de graciosas referências cinematográficas (“Nascido Para Matar”. “O Exorcista”) –além de contar com uma música à cargo de Danny Elfman que, a exemplo de seus trabalhos ao lado de Tim Burton, enfatiza o sarcasmo e o humor negro presente no material.
No entanto, certamente o que mais se destaca na execução do “Os Espíritos” é notar a forma comprometida e disposta com a qual Peter Jackson mergulha no manejo dos efeitos visuais, algo então pouco predominante em suas realizações, e o faz moldando cenas que, se não são um primor de acabamento, são bem indicativas de uma predisposição criativa para conceber sequência cheias de inteligência e inventividade. Jackson conta que o volume (inédito para seus padrões) de computadores exigido pelo filme durante a sua pós-produção o levou a planejar um projeto seguinte no qual pudesse dar uso para tantos computadores; logo, um filme de fantasia, com vários efeitos especiais.
Foi o começo de um caminho que o levaria a “O Senhor dos Anéis”, e inscreveria o nome de Peter Jackson na História do Cinema.

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