O próprio Peter Jackson é o primeiro a admitir
que “Os Espíritos” representa um importante papel transitório em sua carreira,
de um cineasta independente recluso aos filmes de terror de baixo orçamento à
um diretor aclamado e reconhecido por seu trabalho magistral no épico “O Senhor
dos Anéis”.
Lançado em 1995, “Os Espíritos” foi assim sua
última experiência no nicho do ‘terrir’ –o terror com altas doses de humor –que
pontuou todo o início de sua filmografia; embora seja, na comparação com obras
como “Trash-Náusea Total” e “Fome Animal” uma produção de escopo mais
considerável.
Quem tem, portanto, o mérito de primeiro ter
percebido o talento do diretor neo-zelandês e lhe dado uma oportunidade mais
vultuosa –orçamento com direito a mais variedade de efeitos visuais (numa época
ainda embrionária do advento dos efeitos computadorizados), elenco com pelo
menos um astro hollywoodiano (Michael J. Fox) –é o também diretor Robert
Zemeckis, que aqui assumiu a produção e fez deste projeto um reencontro indireto
com o astro de seu “De Volta Para O Futuro”.
Michael J. Fox vive Frank Bannister, o herói
–ou, talvez, o anti-herói –que, no roteiro rocambolesco bolado por Jackson e
sua esposa Fran Wlash, é uma espécie de médium decadente; ele vai a sistemáticos
enterros para oferecer seus serviços como vidente.
Contudo, engana-se quem pensa que Frank é um
charlatão: Ele tem, sim, o dom de comunicar-se com os mortos (habilidade
adquirida após o traumático assassinato da esposa, crime que ficou sem solução
desde então), porém, ele usa tal dom de forma torpe; três fantasmas que ficaram
‘amigos’ seus, Cyrus (Chi McBride, de “O Terminal”), Stuart (Jim Fyfe) e o Juiz
(John Astin, pai de Sean Astin) aprontam das suas em lugares previamente
combinados, para então Frank aparecer, resolver o problema e ganhar sua grana.
É isso o que acontece, por exemplo, na casa de
Lucy Lynskey (Trini Alvarado, de “Tudo Por Um Sonho”), na qual a cerca de seu
marido, Ray (Peter Dobson), foi atingida pelo carro de Frank num acidente:
Frank despacha os fantasmas para tocar o coreto, depois aparece oferecendo sua
ajuda como compensação pela cerca quebrada.
Contudo, já ali, na casa de Lucy, Frank tem um
indício da vindoura encrenca na qual se envolverá: No testa de Ray, surge
inscrito um número que ninguém, exceto Frank, vê.
Com efeito, Ray aparece morto pouco depois, e
Frank passa a enxergar o número em outras pessoas. O seu problema é que, em vez
dessas circunstâncias levarem-no à solução dos assassinatos, elas o tornam o
suspeito Nº 1 deles aos olhos do transtornado agente do FBI Milton Dammers
(Jeffrey Combs, de “Re-Animator”), uma figura entre o patético e o ameaçador,
oriunda de um tipo muito específico de humor praticado por Jackson e sua
equipe.
Na verdade, todo o filme caminha numa linha de
gênero indefinível: Ele tem uma premissa de terror que lhe orienta do início ao
fim, com aparições assumidamente pavorosas, e momentos de incontida
sanguinolência, ao mesmo tempo que se mostra cômico e divertido em inúmeras
ocasiões –aspecto reiterado ainda pela presença sempre carismática do ótimo
Michael J. Fox e de graciosas referências cinematográficas (“Nascido Para Matar”. “O Exorcista”) –além de contar com uma música à cargo de Danny Elfman
que, a exemplo de seus trabalhos ao lado de Tim Burton, enfatiza o sarcasmo e o
humor negro presente no material.
No entanto, certamente o que mais se destaca na
execução do “Os Espíritos” é notar a forma comprometida e disposta com a qual
Peter Jackson mergulha no manejo dos efeitos visuais, algo então pouco
predominante em suas realizações, e o faz moldando cenas que, se não são um
primor de acabamento, são bem indicativas de uma predisposição criativa para
conceber sequência cheias de inteligência e inventividade. Jackson conta que o
volume (inédito para seus padrões) de computadores exigido pelo filme durante a
sua pós-produção o levou a planejar um projeto seguinte no qual pudesse dar uso
para tantos computadores; logo, um filme de fantasia, com vários efeitos
especiais.
Foi o começo de um caminho
que o levaria a “O Senhor dos Anéis”, e inscreveria o nome de Peter Jackson na
História do Cinema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário