sábado, 5 de setembro de 2020

Senhorita Oyu

A adaptação feita por Kenji Mizoguchi do romance de Junichiro Tanizaki traz à lembrança as histórias de amor cheias de impedimentos orquestradas pela escritora Jane Austen.
Como nelas, aqui temos um amor que surge com espontaneidade –no caso, o interesse de Shinnosuke (Yûji Hori) pela bela e atrativa Srta. Oyu (Kinuyo Tanaka, assídua nos filmes de Misoguchi), quando ele a confunde com aquela que deveria ser sua noiva, Shizu (Nobuko Otowa) –depois submetido às circunstâncias impositoras que determinarão o drama –sento Oyu viúva do irmão de Shizu, isso a torna inacessível ao amor de Shinnosuke, embora esse seja um sentimento recíproco.
A sequência em que a Srta. Oyu padece de insolação, ficando aos cuidados de Shinnosuke, por sinal, lembra muito o momento em que Jane fica adoecida na mansão dos Darcy em “Orgulho & Preconceito”.
Srta. Oyu faz, assim, o que supõe estar ao seu alcance para chegar o mais perto possível de uma situação que beneficie a todos: Convence Shinnosuke a desposar Shizu, sob o pretexto de que, dentre todos os pretendentes dela, ele é o único que não afastará as duas, bastante próximas.
Shizu, por sua vez, entende o amor de Oyu por Shinnosuke e, na noite de núpcias, propõe a Shinnosuke viver um casamento de fachada e serem como irmãos às portas fechadas –ela sabe que Shinnosuke e Oyu se amam, e se propõe a ser pivô do embuste que os une.
O filme não se detêm tanto no romance sufocado de Shinnosuke e Oyu, quanto no sacrifício afetivo de Shizu.
Interessa ao estilo cristalino e íntimo de Misoguchi explorar as variações de drama embutidas na premissa, e enfatizar o quanto são ricas: A Srta. Oyu não deseja ser o agente indireto para o tormento da irmã e do agora cunhado, e com isso, lhes ordena que façam de seu casamento algo legítimo –ela os abandona para resolverem sua intimidade, mesmo quando necessita da companhia deles após o falecimento por doença de seu filho.
Os anos se passam com Misoguchi saboreando os desdobramentos dessa situação: A Srta, Oyu vai para Kyoto, onde aceita casar-se com um aristocrata a fim de afastar-se cada vez mais de Shinnosuke e Shizu, em cuja vida pessoal ela não deseja interferir.
Já, Shinnosuke e Shizu, ao sabor das mudanças trazidas pelos anos, vão morar em Tóquio, afligidos pelas notícias que nunca mais receberam de Oyu. Após três anos, Sizu vem a engravidar. Ela dá à luz um menino. E morre.
Numa forma de encontrar um desfecho digno e condizente para o triângulo amoroso que marcou suas vidas, Shinnosuke manda seu filho ainda bebê para Tóquio, onde Oyu satisfaz a própria vaidade com apresentações como cantora, uma vez que, previsivelmente, não há amor em seu casamento.
Oyu, assim, terá seu papel de mãe restabelecido pelo sacrifício de Shinnosuke e Shizu, os mesmos em nome dos quais ela antes se deixou anular.
E Shinnosuke... seu destino é uma incógnita de desolação e angústia, com a cena final flagrando-o a caminhar numa chuva em direção à lugar nenhum.
Lançado no mesmo ano do retumbante “Contos da Lua Vaga”, 1951, “Senhorita Oyu” é um exemplo do ápice maior à que Misoguchi chegou no manejo das ferramentas narrativas que regem o melodrama –sua construção de cenas e sua noção de ritmo são adendos primordiais à elaboração deste conto opressivo sobre sentimentos fadados a jamais encontrar uma via de expressão. Nessa convicção temática, Misoguchi se identifica com inúmeras questões a predominar sobre a rigidez da sociedade japonesa, e delas faz a carpintaria essencial e sólida para seu reverenciado cinema.

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