A adaptação feita por Kenji Mizoguchi do
romance de Junichiro Tanizaki traz à lembrança as histórias de amor cheias de
impedimentos orquestradas pela escritora Jane Austen.
Como nelas, aqui temos um amor que surge com
espontaneidade –no caso, o interesse de Shinnosuke (Yûji Hori) pela bela e
atrativa Srta. Oyu (Kinuyo Tanaka, assídua nos filmes de Misoguchi), quando ele
a confunde com aquela que deveria ser sua noiva, Shizu (Nobuko Otowa) –depois
submetido às circunstâncias impositoras que determinarão o drama –sento Oyu
viúva do irmão de Shizu, isso a torna inacessível ao amor de Shinnosuke, embora
esse seja um sentimento recíproco.
A sequência em que a Srta. Oyu padece de
insolação, ficando aos cuidados de Shinnosuke, por sinal, lembra muito o
momento em que Jane fica adoecida na mansão dos Darcy em “Orgulho & Preconceito”.
Srta. Oyu faz, assim, o que supõe estar ao seu
alcance para chegar o mais perto possível de uma situação que beneficie a
todos: Convence Shinnosuke a desposar Shizu, sob o pretexto de que, dentre
todos os pretendentes dela, ele é o único que não afastará as duas, bastante
próximas.
Shizu, por sua vez, entende o amor de Oyu por
Shinnosuke e, na noite de núpcias, propõe a Shinnosuke viver um casamento de
fachada e serem como irmãos às portas fechadas –ela sabe que Shinnosuke e Oyu
se amam, e se propõe a ser pivô do embuste que os une.
O filme não se detêm tanto no romance sufocado
de Shinnosuke e Oyu, quanto no sacrifício afetivo de Shizu.
Interessa ao estilo cristalino e íntimo de Misoguchi
explorar as variações de drama embutidas na premissa, e enfatizar o quanto são
ricas: A Srta. Oyu não deseja ser o agente indireto para o tormento da irmã e
do agora cunhado, e com isso, lhes ordena que façam de seu casamento algo
legítimo –ela os abandona para resolverem sua intimidade, mesmo quando
necessita da companhia deles após o falecimento por doença de seu filho.
Os anos se passam com Misoguchi saboreando os
desdobramentos dessa situação: A Srta, Oyu vai para Kyoto, onde aceita casar-se
com um aristocrata a fim de afastar-se cada vez mais de Shinnosuke e Shizu, em cuja
vida pessoal ela não deseja interferir.
Já, Shinnosuke e Shizu, ao sabor das mudanças
trazidas pelos anos, vão morar em Tóquio, afligidos pelas notícias que nunca
mais receberam de Oyu. Após três anos, Sizu vem a engravidar. Ela dá à luz um
menino. E morre.
Numa forma de encontrar um desfecho digno e
condizente para o triângulo amoroso que marcou suas vidas, Shinnosuke manda seu
filho ainda bebê para Tóquio, onde Oyu satisfaz a própria vaidade com
apresentações como cantora, uma vez que, previsivelmente, não há amor em seu
casamento.
Oyu, assim, terá seu papel de mãe restabelecido
pelo sacrifício de Shinnosuke e Shizu, os mesmos em nome dos quais ela antes se
deixou anular.
E Shinnosuke... seu destino é uma incógnita de
desolação e angústia, com a cena final flagrando-o a caminhar numa chuva em
direção à lugar nenhum.
Lançado no mesmo ano do
retumbante “Contos da Lua Vaga”, 1951, “Senhorita Oyu” é um exemplo do ápice
maior à que Misoguchi chegou no manejo das ferramentas narrativas que regem o
melodrama –sua construção de cenas e sua noção de ritmo são adendos primordiais
à elaboração deste conto opressivo sobre sentimentos fadados a jamais encontrar
uma via de expressão. Nessa convicção temática, Misoguchi se identifica com
inúmeras questões a predominar sobre a rigidez da sociedade japonesa, e delas
faz a carpintaria essencial e sólida para seu reverenciado cinema.
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