Magnífica fusão de comédia e terror –o chamado ‘terrir’ –o apoteótico “Fome Animal” foi o trabalho de mais destaque no início de carreira de Peter Jackson, antes dele descobrir a aclamação da crítica por “Almas Gêmeas” e rumar em direção ao fenômeno sem precedentes que foi “O Senhor dos Anéis”.
Ali, se notava um diretor (e certamente sua
engajada equipe técnica) cujo talento sobrepujava as condições restritas do
cinema B que executava para moldar um obra sarcástica, travessa, primorosa e
vibrante –“Fome Animal” deve ter feito a festa de aficcionados pelo terror e
pelo gore nos nichos por onde passou nos peculiares anos 1990.
No prólogo, descobrimos dois homens perseguidos
por uma tribo indígena, a fugir com um espécime animal da própria Ilha da Caveira
(uma referência ao clássico “King Kong”, muitos anos antes do próprio Peter
Jackson realizar sua ambiciosa e notável refilmagem). Um deles, interessado em
levar o animal –um tal ‘Macaco Rato de Sumatra’ –a qualquer custo, é mordido; e
por isso os nativos que o acompanham sabem o que fazer sem pestanejar: Lhe
amputam as partes que foram mordidas na mesa hora (!).
“Fome Animal” começa assim: Sangrento,
despojada e nada sutil. E assim será até seu formidável desfecho.
Os protagonistas de sua trama são um iminente e
adorável casalzinho na Nova Zelândia: A sensual e ingênua imigrante latina
Paquita (a deliciosa Diana Peñalver) e o desengonçado Lionel (Timothy Balme).
Parecem até oriundos de alguma comédia romântica, mas não são: Paquita crê na
previsão das cartas de tarô que lhe apontam um romance duradouro com Lionel, no
entanto, o rapaz –uma espécie de Norman Bates (de “Psicose”) em potencial –mora
com a mãe (Elizabeth Moody) que lhe humilha e oprime, podando qualquer chance
do rapaz adquirir autonomia e independência.
Numa rara oportunidade, Lionel leva Paquita a
um passeio no zoológico, onde são seguidos pela ardilosa mãe dele –e é lá que
esses personagens encontram o Macaco Rato de Sumatra (uma criação em
stop-motion feita com uma divertidíssima tosquice auto-consciente) que acaba
mordendo a mãe do rapaz e tendo sua cabeça esmagada por ela ali mesmo!
Ao longo dos dias, Vera, a mãe, vai
apresentando os sintomas característicos do gênero onde a pessoa apodrece e se
converte num zumbi (!), mas o filme de Jackson jamais se acomoda nessa
circunstância: Embora seja dada como morta, Lionel sabe que não foi exatamente
isso que aconteceu; e a leva para o porão de sua casa, bem como a todos que, no
processo, ela vai infectando –a enfermeira McTavish (Brenda Kendall), o padre
(Stuart Devenie) que num dado momento luta kung-fu com os mortos-vivos (!), e o
membro de uma gangue de motoqueiros, ou coisa assim... –de capacho subserviente
da própria mãe (mesmo depois de morta!), o passivo e submisso Lionel vira
capacho subserviente de um bando de zumbis que passa a abrigar em seu porão,
para perplexidade da apaixonada Paquita; e essa característica sempre irônica a
definir seus personagens (dos principais aos coadjuvantes) persiste por todo o
filme, embriagando-o de estilo.
E não pára aí: Quando surge o interesseiro Les
(Ian Watkin), o tio de Lionel disposto a surrupiar a herança do rapaz, o filme
de Peter Jackson parece finalmente encontrar seu ápice; numa festa de arromba
promovida por Les –e que reúne uma multidão dentro da casa –os zumbis
preservados no porão enfim se libertam dando início a um festival de sangue
raras vezes visto no gênero. Podia-se notar, já nesse formidável “Fome Animal”
que essa equipe haveria de fazer algo genial em algum momento no futuro: As
sequências de gore incontido que o filme entrega em profusão atordoante a
partir de certo ponto impressionam pelo nível elevado de inventividade, e pelo
uso inteligente e nunca acomodado dos efeitos práticos de maquiagem que, num
crescendo espantoso e condizente com sua proposta, vão soterrando os atores de
quilos de maquiagem e litros de sangue cenográfico (!) numa sangreira desatada
que orgulharia o mestre italiano Lucio Fulci.
Parece ser com facilidade que “Fome Animal”
molda, uma a uma, sequências absolutamente memoráveis: Entre muitas outras,
temos o enervante bebê morto-vivo; a luta do herói contra um ‘intestino grosso
animado’ (!); o mesmo herói, no espetacular e escatológico clímax, trucidando
as hordas de zumbis usando um cortador de grama (!!) e a luta final, no telhado
da casa, contra a mãe-zumbi, convertida num monstro de proporções improváveis,
que é também um acerto de contas do protagonista contra suas repressões
pessoais.
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