segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Mundos Opostos


 Escrito e dirigido pelo argentino Juan Solanas, “Mundos Opostos” é uma fusão entre ficção científica altamente fantasiosa e romance melodramático e rasgado, amparado em conceitos visuais que ora funcionam, ora emolduram um certo vazio em sua caracterização.

No mundo fantástico em cujo contexto a trama está inserida, existem dois ‘planetas gêmeos’, por assim dizer, com todas as características urbanas do planeta Terra; eles têm superfícies que são tão próximas que um chega a encobrir o céu do outro.

Um deles se chama o Lado de Cima –rico, cheio de belíssimas construções e pleno de vida confortável –o outro se chama o Lado de Baixo –paupérrimo e sujo, quase uma espécie de subúrbio –e existem certas regras: Cada indivíduo é atraído pela gravidade de seu próprio mundo, e a permanência no mundo vizinho pode levar o intruso a incendiar-se (!) ficando lá por muito tempo.

Com essas barreiras existenciais e mirabolantes elaboradas, o filme se ocupa então de moldar sua já desafortunada história de amor: Adam (Jim Sturgess) é um órfão a viver no Lado de Baixo; Eden (Kirsten Dunst) é uma jovem a viver do Lado de Cima. Ainda muito jovens, eles se apaixonam ao se encontrarem por meio de duas montanhas em seus mundos que quase se tocam numa região remota.

Como a transição entre os mundos é proibida –sobretudo a ida de moradores de Baixo para o Lado de Cima –eles são perseguidos por soldados, e Eden cai da montanha. Sem que Adam fique sabendo, ela tem amnésia e o esquece pelos próximos dez anos.

Entretanto, uma oportunidade de rever o amor perdido surge para Adam quando enxerga, certo dia, Eden na TV: Ela agora é funcionária da corporação Transmundo –que explora implacavelmente a mão de obra do Lado de Baixo para prover riqueza ao Lado de Cima, mas que representa o único meio de fato desses dois mundos se entrecruzarem.

Ao criar uma fórmula revolucionária –um creme facial que utiliza propriedades de ingredientes do mundo inverso para desafiar a gravidade –Adam obtém aval para então trabalhar no edifício da Transmundo, um complexo que une os dois mundos –e um achado em termos de direção de arte –no qual, em sua interseção, o chão de um andar, significa o teto do outro (!), com funcionários de Cima e de Baixo interagindo uns com os outros, ainda que regidos por rígidas normas.

O objetivo de Adam não é progredir profissionalmente, mas sim reencontrar-se com Eden, e retomar seu amor de onde ele foi interrompido; o que significa escapadas cuidadosamente planejadas para o outro lado, onde precisa compensar a gravidade que o puxa de volta para cima e o perigo de morrer queimado se lá ficar tempo demais.

Os propósitos que a concepção dessa trama muito particular atende parecem ser explicitamente visuais: Na ânsia de retratar o universo singular no qual se ambienta, o filme do diretor Solanas lança mão de exuberantes recursos na direção de fotografia, subterfúgios imaginativos no emprego de ângulos inusitados de câmera –sobretudo, plongées e contra-plongées –e emoldura a obra, de ponta a ponta, com imagens de extravagante elaboração visual, talvez para compensar seus rumos previsíveis.

Na analogia de simbolismo cristão que parece tentar fazer, o protagonista Adam (Adão), surge não em busca de uma contraparte feminina e romântica propriamente dita (Eva), mas em busca de uma utopia ainda mais virtualmente inatingível, Eden (o Paraíso), sempre acima, sempre além de suas perspectivas e possibilidades.

Se havia intenção reflexiva nessa metáfora sobre obstinação moral, então o roteiro e a direção cometeram pequenos deslizes, ao focar em elementos prosaicos, redundantes e pouquíssimo válidos na trajetória de altos e baixos do amor essencialmente pueril que registram; não há muita química entre o desengonçado inglês Sturgess e a bela, porém, inacessível Kirsten (detalhe complicado e comprometedor numa trama onde eles não se encontram em boa parte do tempo); e os pontos cruciais onde a história avança e evolui, essas etapas são construídas em cima de sequências de orientação clichê, presente em toda a qualquer produção rasteira sobre amor impossível que se preze.

Embora lance mão o tempo inteiro de cenas que enchem os olhos, “Mundos Opostos” apesar de belíssimo em sua concepção visual é vazio em sua caracterização artística do romance e do drama –um lindo portfólio em sua paleta de cores e em seus enquadramentos inquietos cuja mensagem se perde na banalidade de sua visão imatura sobre o amor.

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