Listado como número 85 na lista dos 100 melhores filmes da década de 2000 feita pelo jornal “The Times”, “A Professora de Piano” é uma obra na qual o austríaco Michael Haneke investiga os desdobramentos do amor e da relação a dois em um contexto cheio de perversidade e frieza –à sua maneira, sua realização é um título que soma novos significados às inquietações muito pessoais que ele dedicou sua filmografia inteira a discorrer.
Do alto de sua inquestionável excelência,
Isabelle Hupert é Erika, um professora de aulas de piano, em tudo e por tudo,
rígida com todos à sua volta.
Entretanto, tal rigidez é mais do que apenas
compostura, como tratam de mostrar pequenos indícios ainda no começo, como a
abruptamente violenta relação dela com a mãe (Annie Girardot), suas inesperadas
e improváveis visitas à uma cabine de sex-shop para assistir filmes
pornográficos (e, na ocasião, cheirar lenços ‘usados’ por clientes pouco
antes!) e alguns instantes, bem ao gosto de Haneke, quando Erika inflige,
inclusive em si mesma, ferimentos de ordem sadomasoquista.
Erika é um perigo ambulante, disfarçado sob a
superfície de uma respeitável doutora em música: Há uma satisfação captada em
pequenos detalhes de sua expressão, quando consegue infligir algum dano
realmente doloroso, ou quando suas atitudes podam a felicidade de alguém.
Durante os disputados ensaios para um vindouro
recital de Schubert, Erika conhece o jovem Walter Klemmer (Benoît Magimel, de “Uma Garota Dividida Em Dois”), que não poupa esforços para chamar a atenção da bela
professora; mas, para ele e para todos os outros mais, Erika é um poço sem
fundo de rancor e amargura travestido de excessivo profissionalismo.
Leva tempo para Walter começar a romper essa ardilosa
armadura social e descobrir quem ela é de fato: Aos poucos, Erika esboça suas
intenções de se tornar o agente passivo numa relação de dominação –ela deseja
ser chicoteada, estapeada e agredida –e essa reação promove uma mudança em
Walter; de apaixonado repudiado, ele se torna o agressor, enquanto Erika passa
a submeter-se a sua violência.
Haneke promove uma inversão de papéis abusivos,
guiada pela justificativa do amor, mas que ilustra inúmeras fissuras
defeituosas na relação homem/mulher.
Como outros de seus trabalhos naquele período
–tal qual as duas versões de “Violência Gratuita” e o antológico “Caché” –“A
Professora de Piano” parece sinalizar um molde cinematográfico com expedientes
bem sólidos aos quais o subconsciente do expectador médio haverá de se agarrar
–aqui, o romance, a história de amor –e, a partir dessas pressuposições
básicas, Haneke desconstrói os anseios e as expectativas do expectador
negando-lhe um desfecho fácil e convencional que traga catarse e oferecendo, em
vez disso, uma verdadeira paulada em formado de experiência cinematográfica.
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