quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Foxcatcher - Uma História Que Chocou O Mundo


 Adeptos de histórias reais –e, não raro, dramas de orientação contundente –o diretor Bennett Miller lança seu olhar para os percalços que conduziram a um crime que chocou o mundo do esporte no final da década de 1980, munido de uma percepção que, se não modifica em nada o roteiro e a possível fidelidade aos fatos, vale-se de impressões subliminares para tentar sugerir uma possível justificativa a uma atrocidade virtualmente injustificável.

Competidor olímpico de luta greco-romana, o americano Mark Schultz (Channing Tatum) vive resignado e à sombra do irmão mais velho, Dave (Mark Ruffalo), também ele medalhista da mesma modalidade: É uma rotina que, em sua subjetividade, o diretor Miller não se furta de mostrar depressiva (a exemplo do que ele já fizera em “Capote” e “O Homem Que Mudou O Jogo”): O filme que acompanha Mark é silencioso, deprimente e triste.

Se Mark é soturno, Dave é carismático e exuberante –adjetivos que parecem despertar um ressentimento no irmão mais novo (características estas que, é bom lembrar, nunca são explicitadas no roteiro, mas evidenciadas na direção).

Mark recebe um telefonema do milionário John du Pont (Steve Carrell, tão competente na seriedade quanto o é no humor) e, ao ser convidado por ele para integrar sua equipe olímpica e morar em sua mansão, introduz um novo elemento nessa estranha dinâmica.

John du Pont é o tipo de personagem difícil de despertar empatia ou identificação: Egocêntrico em sua bipolaridade e na evidente indiferença para com sentimentos alheios (exceto pela opinião nunca positiva da mãe, vivida por Vanessa Redgrave), John é rodeado de indivíduos tornados subservientes por sua riqueza.

A dinâmica entre ele e seu séquito é estabelecida com clareza no filme: John é rico e financia com seu poder todas as operações à sua volta, em troca, seus apadrinhados lhe dedicam implausível enaltecimento, e ignoram a mediocridade em seu comportamento.

Ao trazer Mark Schultz para perto de si, John somente o transforma em um desses; ainda que, em seus desengonçados discursos motivacionais, John reafirme sua intenção de honrar o sonho americano, inspirar valores e ajudar o próximo.

Mark enxerga nessa oportunidade a chance de realizar suas aspirações e encontrar um meio de brilhar sem ser ofuscado pelo irmão.

Mas, Dave também está no radar de John.

Assim, o filme de Bennett Miller se fragmenta em dois filmes distintos,  conforme as interpretações: Um, é o filme que assistimos (onde Mark e John desenvolvem uma relação de amizade quase unilateral que vai migrando para uma dinâmica mais abusiva ao sabor das personalidades de ambos e suas idiossincrasias, o que ganha contornos mais complicados e mais desequilibrados quando Dave resolve se juntar à equipe, acirrando a tensão reprimida nos relacionamentos de dominação moral assim construídos); O outro é o filme que poderia ter sido feito, e que surge nas entrelinhas não tão evidentes deixadas por Miller. O fato é que a verdade em torno de um acontecimento –sobretudo, de natureza trágica como este –é, com frequência, algo movediço e escorregadio. Compreendendo esse detalhe, e sabendo de antemão que, dentre suas fontes de depoimentos pessoais, nem Dave Schultz e nem John du Pont (falecido em 2010) podem fornecer suas versões, restando somente o taciturno, arredio e nada inteligível Mark para lhe esclarecer os detalhes minimalistas da situação, o diretor Miller montou uma narrativa que, em parte, lembra a do filme “Teoria de Tudo” –onde as opiniões do biografado estão a interferir o tempo todo na veracidade da biografia –e assim faz de Mark o protagonista calado que, essencialmente, atravessa o filme com sua dignidade aparentemente intacta.

É nas impressões subjetivas, e nada óbvias, entretanto, que Miller deposita as possíveis e verdadeiras conclusões acerca do que pode ter ocorrido: Não à toa, “Foxcatcher”, à despeito do incômodo perene que evoca no expectador, foi indicado ao Oscar de Melhor Diretor, e não ao de Melhor Filme –uma dica de que é a impressão que se tem da trama, e não seus pontos factuais, o verdadeiro relato a ser apreendido.

Um competente trabalho defino por percepções e considerações subliminares, emoldurado numa climática e introspectiva realização ao estilo do drama independente norte-americano, cujo resultado, em sua deliberada imprecisão existencial, acaba sendo perturbador.

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