terça-feira, 8 de dezembro de 2020

A Ira de Um Anjo


 Ilustrativo dos extremos a que pode chegar a crueldade humana, “A Ira de Um Anjo” é um dos mais perturbadores registros documentários em média-metragem já realizados. A espinha dorsal de sua estrutura narrativa são os videos realizados pelo psicólogo Dr. Ken Magid, especialista em crianças severamente abusadas, onde gravou os depoimentos da garotinha Beth Thomas, de apenas seis anos de idade; neles, Beth relata, com aterradora espontaneidade e desprendimento pueril, seus desejos de esfaquear o irmão mais novo e seus pais adotivos quando vão dormir, razão pela qual ela é trancada em seu quarto todas as noites.

Devido aos abusos que sofreu de seu pai biológico antes de ser adotada –em torno de seus dezenove meses de vida –Beth desenvolveu o Transtorno de Apego Reativo, o que a impedia de formar laços afetivos com outras pessoas, e não lhe dava consciência das atrocidades que queria perpetrar –ela tinha anseios de eliminar a todos a sua volta apenas porque não queria se apegar a ninguém.

A partir desses videos –nos quais é capturada, sem retoques, a brutal ausência de remorso ou sentimentos de Beth em relação aos seus atos, apesar da plena noção do mal em que eles resultariam –surgem também as entrevistas com os pais adotivos, Tim e Julie, relatando a gradativa constatação da condição insólita da filha em indícios preocupantes como a relação agressiva e cruel com o irmão pequeno, e seus eventuais ataques à animais indefesos.

A constatação da gravidade dos efeitos abusivos em uma criança é de um assombro impronunciável na situação que o filme assim retrata com tal simplicidade; e ela está, sobretudo, no desapego apavorante com que a pequena Beth responde às perguntas de sua entrevista.

Conforme avança, contudo, indícios de esperança despontam em meio ao terror: Beth é temporariamente afastada pelos especialistas da família que poderia potencialmente prejudicar e levada a um centro de tratamento para crianças acometidas desse transtorno. Lá, um regime de absoluta rigidez mantém aquelas crianças  em rédea curta, levando-as a uma lenta recuperação a partir do zero. Leva tempo, eles insistem em afirmar, mas, Beth vislumbra uma chance de redenção.

Na última entrevista do documentário, já algum tempo depois, percebemos que Beth está diferente: Ao relatar as mesmas atitudes de antes, ela se depara com a própria inconsequência com a qual feriu o irmão e os pais, e chora. Ela aprendeu a desenvolver empatia.

Datado de 1989, “A Ira de Anjo” ganhou, pouco depois, em 1992, uma versão homônima e ficcional em longa-metragem feita para a TV –inclusive com o nome de muitos envolvidos alterados –contudo, sem suspense corriqueiro e sua condução genérica e desanimada não chegam nem perto do efeito impactante obtido por este registro real.

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