Ilustrativo dos extremos a que pode chegar a crueldade humana, “A Ira de Um Anjo” é um dos mais perturbadores registros documentários em média-metragem já realizados. A espinha dorsal de sua estrutura narrativa são os videos realizados pelo psicólogo Dr. Ken Magid, especialista em crianças severamente abusadas, onde gravou os depoimentos da garotinha Beth Thomas, de apenas seis anos de idade; neles, Beth relata, com aterradora espontaneidade e desprendimento pueril, seus desejos de esfaquear o irmão mais novo e seus pais adotivos quando vão dormir, razão pela qual ela é trancada em seu quarto todas as noites.
Devido aos abusos que sofreu de seu pai
biológico antes de ser adotada –em torno de seus dezenove meses de vida –Beth
desenvolveu o Transtorno de Apego Reativo, o que a impedia de formar laços afetivos
com outras pessoas, e não lhe dava consciência das atrocidades que queria
perpetrar –ela tinha anseios de eliminar a todos a sua volta apenas porque não
queria se apegar a ninguém.
A partir desses videos –nos quais é capturada,
sem retoques, a brutal ausência de remorso ou sentimentos de Beth em relação
aos seus atos, apesar da plena noção do mal em que eles resultariam –surgem
também as entrevistas com os pais adotivos, Tim e Julie, relatando a gradativa
constatação da condição insólita da filha em indícios preocupantes como a
relação agressiva e cruel com o irmão pequeno, e seus eventuais ataques à
animais indefesos.
A constatação da gravidade dos efeitos abusivos
em uma criança é de um assombro impronunciável na situação que o filme assim
retrata com tal simplicidade; e ela está, sobretudo, no desapego apavorante com
que a pequena Beth responde às perguntas de sua entrevista.
Conforme avança, contudo, indícios de esperança
despontam em meio ao terror: Beth é temporariamente afastada pelos especialistas
da família que poderia potencialmente prejudicar e levada a um centro de
tratamento para crianças acometidas desse transtorno. Lá, um regime de absoluta
rigidez mantém aquelas crianças em rédea
curta, levando-as a uma lenta recuperação a partir do zero. Leva tempo, eles
insistem em afirmar, mas, Beth vislumbra uma chance de redenção.
Na última entrevista do documentário, já algum
tempo depois, percebemos que Beth está diferente: Ao relatar as mesmas atitudes
de antes, ela se depara com a própria inconsequência com a qual feriu o irmão e
os pais, e chora. Ela aprendeu a desenvolver empatia.
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