Realizado por Elem Klimov, mesmo diretor do avassalador “Vá e Veja”, seu canto do cisne e também sua obra-prima, “Agonia Rasputin” é um épico poderosamente intimista, tão mais poderoso pela forma dilacerante com que mergulha nos mecanismos nefastos e muito humanos nos quais a loucura encontra território fecundo para crescer.
A partir da história real envolvendo a
aristocracia russa no início do Século XX, cujos desdobramentos levaram ao
trágico desfecho da era dos czares, o filme de Klimov enfatiza sua procedência
real ancorando várias passagens documentais em sua narrativa: Klimov lança mão
de cenas surpreendentes, muitas delas, flagrando em tom sépia e imagens
desgastadas pelo tempo, a situação ultrajante, periclitante e humanamente intolerável
com que o povo russo passou a viver durante a Primeira Guerra Mundial, nos idos
de 1915, quando o Czar Nicolau, deixou o palácio para acompanhar o desempenho
de suas tropas..
Os minimamente inteirados com a História, sabem
que praticamente todos os membros da corte russa –em especial, a influenciável
Alexandra, esposa do czar –se renderam ao fanatismo cego pelos devaneios ditos
premonitórios do insano monge Grigori Yefimovich Rasputin (Alexei Petrenko),
cuja sanha por poder permitiu que seus caprichos e excessos corruptos galgassem
os limites da sordidez. E parece ser a esses expectadores mais atentos que
Klimov sinaliza com seu filme: Ele parte do princípio de que muitas das
informações já são de conhecimento do público, dedicando boa parte de sua primeira
metade, em caprichar na caracterização do universo extinto que busca recriar,
bem como em proporcionar a partir disso uma imersão sem precedentes no
expectador –algo no qual Klimov é craque!
Tratado como uma espécie de divindade do saber
pelos nobres mais inquestionáveis da realeza russa, Rasputin é um
antagonista tão incrivel arquétipo que
chega a parecer ficcional. Não é. Ele pertence àquela inusitada galeria de
figuras reais cuja verdadeira existência parecer uma afronta ao bom senso:
Seria inacreditável conceber um personagem de tamanha vilania, maldade e
devassidão moral não tivesse esse personagem realmente existido.
O modo como Klimov o introduz em sua narrativa,
mesmo sendo ele o personagem principal, é perspicaz e indicativo do diretor
brilhante que Klimov é: Rasputin surge aos poucos, mencionado por personagens
coadjuvante. Muito falado, mas pouco visto. Ele aparece nos cantos, de forma
elíptica, quase casual, mas gradativamente começa a manifestar-se cada vez mais
em cena.
Exceto ele, não existem personagens de maior
peso na narrativa, nem mesmo os membros aristocratas que ele enredou com seus
discursos delirantes. Na ausência de Rasputin, a direção de Klimov se volta
para a perplexidade de personagens orbitais que assistem, com gélida impotência,
um império moribundo se intoxicar pelo fanatismo –diversos são os momentos em
que líderes militares, ou conselheiros políticos tentam, em vão, abrir os olhos
do czar para a insensatez que se sucede –ou então, para as sequências de
documentários, intercaladas à encenação do filme por meio de efeitos sonoros
inseridos com brilho e convicção, e por uma trilha sonora melancólica e
meticulosa.
Embora brilhante em sua reconstituição e
certamente inquestionável em sua relevância histórica, “Agonia Rasputin” se
ressente, em diversos momentos, pelo excesso informativo exercido por seu
diretor: Ele não se detém em núcleos mais simplificados de personagens e pouco
se dispõe a abreviar acontecimentos históricos sob a justificativa de uma
unidade narrativa mais harmoniosa; seu filme, com isso, quer albergar toda uma
história ampla, detalhada e intrincada em termos políticos e factuais, o que
prejudica a acessibilidade de grande parte do público.
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