terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Agonia Rasputin


 Realizado por Elem Klimov, mesmo diretor do avassalador “Vá e Veja”, seu canto do cisne e também sua obra-prima, “Agonia Rasputin” é um épico poderosamente intimista, tão mais poderoso pela forma dilacerante com que mergulha nos mecanismos nefastos e muito humanos nos quais a loucura encontra território fecundo para crescer.

A partir da história real envolvendo a aristocracia russa no início do Século XX, cujos desdobramentos levaram ao trágico desfecho da era dos czares, o filme de Klimov enfatiza sua procedência real ancorando várias passagens documentais em sua narrativa: Klimov lança mão de cenas surpreendentes, muitas delas, flagrando em tom sépia e imagens desgastadas pelo tempo, a situação ultrajante, periclitante e humanamente intolerável com que o povo russo passou a viver durante a Primeira Guerra Mundial, nos idos de 1915, quando o Czar Nicolau, deixou o palácio para acompanhar o desempenho de suas tropas..

Os minimamente inteirados com a História, sabem que praticamente todos os membros da corte russa –em especial, a influenciável Alexandra, esposa do czar –se renderam ao fanatismo cego pelos devaneios ditos premonitórios do insano monge Grigori Yefimovich Rasputin (Alexei Petrenko), cuja sanha por poder permitiu que seus caprichos e excessos corruptos galgassem os limites da sordidez. E parece ser a esses expectadores mais atentos que Klimov sinaliza com seu filme: Ele parte do princípio de que muitas das informações já são de conhecimento do público, dedicando boa parte de sua primeira metade, em caprichar na caracterização do universo extinto que busca recriar, bem como em proporcionar a partir disso uma imersão sem precedentes no expectador –algo no qual Klimov é craque!

Tratado como uma espécie de divindade do saber pelos nobres mais inquestionáveis da realeza russa, Rasputin é um antagonista  tão incrivel arquétipo que chega a parecer ficcional. Não é. Ele pertence àquela inusitada galeria de figuras reais cuja verdadeira existência parecer uma afronta ao bom senso: Seria inacreditável conceber um personagem de tamanha vilania, maldade e devassidão moral não tivesse esse personagem realmente existido.

O modo como Klimov o introduz em sua narrativa, mesmo sendo ele o personagem principal, é perspicaz e indicativo do diretor brilhante que Klimov é: Rasputin surge aos poucos, mencionado por personagens coadjuvante. Muito falado, mas pouco visto. Ele aparece nos cantos, de forma elíptica, quase casual, mas gradativamente começa a manifestar-se cada vez mais em cena.

Exceto ele, não existem personagens de maior peso na narrativa, nem mesmo os membros aristocratas que ele enredou com seus discursos delirantes. Na ausência de Rasputin, a direção de Klimov se volta para a perplexidade de personagens orbitais que assistem, com gélida impotência, um império moribundo se intoxicar pelo fanatismo –diversos são os momentos em que líderes militares, ou conselheiros políticos tentam, em vão, abrir os olhos do czar para a insensatez que se sucede –ou então, para as sequências de documentários, intercaladas à encenação do filme por meio de efeitos sonoros inseridos com brilho e convicção, e por uma trilha sonora melancólica e meticulosa.

Embora brilhante em sua reconstituição e certamente inquestionável em sua relevância histórica, “Agonia Rasputin” se ressente, em diversos momentos, pelo excesso informativo exercido por seu diretor: Ele não se detém em núcleos mais simplificados de personagens e pouco se dispõe a abreviar acontecimentos históricos sob a justificativa de uma unidade narrativa mais harmoniosa; seu filme, com isso, quer albergar toda uma história ampla, detalhada e intrincada em termos políticos e factuais, o que prejudica a acessibilidade de grande parte do público.

Hermético, denso e pouco apetecível para gostos mais comuns, “Agonia Rasputin”, não obstante o retrato assombroso que faz de uma sociedade em colapso, suscetível, portanto, à ascensão de fanatismos questionáveis, é um exemplo do vigor que Elem Klimov era capaz de imprimir aos seus projetos, mesmo quando, em casos como este, ele pesasse demais a mão no rigor formal de seus reconstituições.

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