Em 1951, o grande diretor Howard Hawks –um esteta versátil e competente, capaz de moldar grandes obras nos mais diversos gêneros –se encontrava em débito com seu montador, Christian Nyby (que fizera milagres com a edição de “Rio Vermelho”). A fim de compensá-lo, Hawks dividiu com ele a direção deste “O Monstro do Ártico”; o reflexo disso em cena é que esta ficção científica –um tanto quanto inovadora e influente para os filmes de monstros alienígenas que vieram depois –traz as características indissociáveis de Hawks na direção (ângulos de câmera práticos e objetivos, diálogos justapostos, a ênfase do trabalho em equipe na sua premissa) e um aparato técnico tão rigoroso quanto notável, fruto da competência de Nyby atrás das câmeras.
Surgido da adaptação de um conto pulp assinado
por John W, Campbell –mas, alterando inúmeros aspectos de sua fonte –“O Monstro
do Ártico” é, em sugestão e simbolismo, um sintoma cultural da Guerra Fria. A
própria ambientação, ocasionada no longínquo Pólo Norte já é um indício disso.
Lá, uma equipe de pilotos da Força Aérea Norte-Americana, acompanhados de um
jornalista, segue rumo a uma base de pesquisas no ártico. A queda de um meteoro
na noite anterior aguçou a curiosidade dos cientistas.
Na procura pelo objeto, eles encontram o que
parece ser um disco voador. Embora ele acabe destruído, quando explosivos o
pulverizam na tentativa de removê-lo do gelo em que ficou aprisionado, a equipe
consegue levar para a base um único indivíduo confinado num bloco de gelo.
Somente, quando o bloco de gelo
inadvertidamente derrete, liberando o ser de outro mundo, é que todos ali na
base descobrem que podem ter suas vidas seriamente ameaças por aquela criatura
que, além de alimentar-se do plasma do sangue humano, parece resistir a quase
todas as armas com as quais é atacada.
Hoje menos conhecido do que sua refilmagem, o
antológico “Enigma de Outro Mundo”, dirigido por John Carpenter, “O Monstro do
Ártico” oferece uma bela oportunidade para comparar as características
narrativas que compõem ambos os projetos –que embora partilhem praticamente da
mesma premissa básica, não poderiam ser mais diferentes.
“Enigma de Outro Mundo” é quase uma orgia de
efeitos visuais e terror à beira do gore; “O Monstro do Ártico” é carregado de
sugestão –até porque, nos breves entrechos em que o ‘monstro’ aparece (vivido
pelo ator James Arness) é possível vislumbrar sua lastimável maquiagem!
Curiosamente, “Enigma de Outro Mundo” também se ampara no elemento mais sutil
da metamorfose alienígena (a criatura que assume outra forma e pode ser o
companheiro ao seu lado), enquanto que o filme de Hawks e Nyby é um mero e
aflitivo conto onde um grupo se une contra um inimigo desconhecido, porém,
evidente em sua periculosidade. Esse grupo, percebe-se, são os EUA, representados
na camaradagem e na valentia com que eram retratados seus militares de então (e
como Hawks era bom nisso!), e contra eles, o filme apresenta todo o tipo de
contratempo: A ambientação inóspita (o ártico e sua gelidez, a espelhar a
disputa contra a União Soviética), os cientistas que em nada colaboram com os
esforços grupais e até apresentam lapsos de imaturidade pondo tudo a perder com
suas justificativas (“A ciência está acima de tudo, até mesmo de nossas
vidas!”).
Se hoje o filme é incontornavelmente datado,
sua narrativa, ao menos, conserva intactos a impecável tensão e o ritmo
brilhantemente construído que o fazem uma ficção científica de terror tão
incrivelmente envolvente.
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