Se houve um sopro de esperança, em meio a esse mais de um ano de pandemia que foi 2020 e que está sendo 2021, este foi o desempenho pra lá de positivo de “Godzilla Vs Kong” nas bilheterias –tudo leva a crer que, depois de fracassos homéricos como “Tenet” e “Mulher Maravilha 1984”, as salas de cinemas têm a chance de recuperar seu apelo de público e levar as pessoas para assistirem filmes na tela grande outra vez.
Mas, e a produção responsável por tal feito,
vale a pena?
Muito, sobretudo, porque nos aspectos que
verdadeiramente importam, seus realizadores compreendem o que faz de um filme
uma experiência arrebatadora aos olhos do público. Com competência e arrojo
visual, “Godzilla Vs Kong” é o produto mais sincero e eficiente a aportar nos
cinemas trazendo a proposta de transportar o público para um outro mundo do
lado de lá das telas. Um mundo mágico, de perigos e deslumbres visuais, e cenas
hipnóticas de destruição cuja ressonância dramática tem a apropriada duração de
seu entretenimento. E isso tudo começou lá atrás, quando “Godzilla”, de Gareth
Edwards, foi lançado.
Lá, naquele esforço (bem-sucedido) para trazer
o icônico monstrengo nipônico para o contexto da cinematografia hollywoodiana,
nos foi apresentada a ideia de que Godzilla era só primeiro de outros monstros
que dariam as caras nas telas eventualmente –entre eles, o clássico macaco
gigante, King Kong, no divertidíssimo e efusivo “Kong-A Ilha da Caveira” –e
culminaria no encontro deles, aqui, em “Godzilla Vs Kong”.
Claro que haviam obstáculos a serem
transpostos, e primeiro deles, por
incrível que pareça, era a própria história (!); afinal, ao mesmo tempo que um
filme não pode deixar de ter uma premissa minimamente desenvolvida, era claro
para qualquer um que ninguém iria assisti-lo interessado na construção do
roteiro. Os expectadores iriam conferir a obra em busca do embate cinético
entre dois dos monstros mais famosos das telas de cinemas –que já se
encontraram em outras ocasiões, como naqueles filmes antigos japoneses, estrelados
pelo Godzilla.
A surpresa é que a produção dirigida por Adam
Wingard se sai magnificamente bem desse curioso paradoxo: Seu roteiro não é (e
nem almeja ser) um primor de dramaturgia, e nem tampouco se preocupa muito com
eventuais lapsos narrativos (os núcleos de personagens humanos, por exemplo,
parecem pertencer a dois filmes distintos que mal se preocupam em conectarem-se
uns aos outros), mas sua função, para justificar e qualificar o combate entre
os dois monstros, cumpre seu objetivo, entrega sucessivas cenas espetaculares,
e ainda fornece oportunidades para que imagens atordoantes sejam construídas em
cena.
Quando reencontramos o descomunal Kong, ele já
não está mais nos anos 1970, como em seu filme anterior, e de certa forma, nem
em seu habitat natural, a Ilha da Caveira: Agora, ele está numa contenção de
última geração, um simulacro high-tech
da Ilha da Caveira, onde cientistas –entre eles a personagem de Rebecca Hall
–estudam a possibilidade de usá-lo e controlá-lo quando assim for necessário.
Fundamental para isso é o laço que Kong constrói com uma garotinha surda-muda.
A oportunidade, por sinal, não tarda a surgir:
O lagartão Godzilla, uma vez mais, ressurge do fundo do oceano, mas, desta vez,
ao contrário do que fez no filme de 2014, e em sua continuação, “Godzilla II-O
Rei dos Monstros”, lançada em 2019, ele ataca os humanos ao invés de tentar
protegê-los. Oriunda do filme de 2019, a jovem Maddie (a maravilhosa Millie
Bobby Brown, da série “Stranger Things”) é a única que acredita que Godzilla
não é uma força do mal e, se atacou instalações de pesquisa de uma empresa
privada, é porque ele percebeu, antes de qualquer um, o perigo escondido para
todo o planeta que reside ali.
Assim, Maddie, ao lado do hacker Bernie (Brian
Tyree Henry) e do nerd Josh (Julian Dennison, de “Deadpool 2”), seguem uma
pista que os leva até Hong Kong, onde o verdadeiro vilão do filme espera o
momento de atacar –e não estou falando do personagem manipulador de Demián
Bichir.
Paralelo a isso –lembra quando eu falei de dois
filmes que parecem nunca se encontrar? –Kong é conduzido por outros
protagonistas humanos (como o personagem de Alexander Skasgaard, de "A Lenda de Tarzan") para além do
mar, e seu encontro com Godzilla. Depois disso, essa trama imbrica por alguns
outros mistérios nunca relevantes o suficientes (porque, no final, tudo o que queremos
são sequências de luta entre os dois monstros!) que levam até o Centro da Terra
(numa belíssima referência visual e narrativa ao clássico de Jules Verne) e
consequentemente à batalha-clímax, ocorrida no centro de uma metrópole, e que
conta com a aparição-surpresa uma terceira (e bastante famosa) criatura.
Saído das fileiras de filmes de terror, o
diretor Adam Wingard soube observar, na narrativa desse espetáculo um tanto
desafiador, as engrenagens que acessam o interesse do público, bem como os
fatores que diferenciam meras cenas de destruição (algo que este filme tem em
profusão) das imagens antológicas de fato: A incontornável condição humana.
As câmeras prodigiosas de Wingard assumem
pontos de vista tão improváveis quanto privilegiados, mas um dos aspectos mais
inspirados de sua realização é compreender (e acrescentar isso ao seu
espetáculo) que a circunstância humana é cheia de limitações. Como as câmeras
(ou o olho humano) não podem enxergar num ângulo de 360°, os movimentos que o
enquadramento realiza são insanos (chegam a ficar de ponta cabeça), isso sem
falar dos solavancos, da poeira e dos detritos que parecem ser jogados em nossa
cara. Essa percepção, somada aos efeitos visuais cheios de propriedade,
oferecem uma formidável sensação de imersão nas cenas apoteóticas de confronto.
Tudo num nível de primazia, que sinceramente, poucos esperavam.
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