segunda-feira, 10 de maio de 2021

Godzilla Vs Kong


 Se houve um sopro de esperança, em meio a esse mais de um ano de pandemia que foi 2020 e que está sendo 2021, este foi o desempenho pra lá de positivo de “Godzilla Vs Kong” nas bilheterias –tudo leva a crer que, depois de fracassos homéricos como “Tenet” e “Mulher Maravilha 1984”, as salas de cinemas têm a chance de recuperar seu apelo de público e levar as pessoas para assistirem filmes na tela grande outra vez.

Mas, e a produção responsável por tal feito, vale a pena?

Muito, sobretudo, porque nos aspectos que verdadeiramente importam, seus realizadores compreendem o que faz de um filme uma experiência arrebatadora aos olhos do público. Com competência e arrojo visual, “Godzilla Vs Kong” é o produto mais sincero e eficiente a aportar nos cinemas trazendo a proposta de transportar o público para um outro mundo do lado de lá das telas. Um mundo mágico, de perigos e deslumbres visuais, e cenas hipnóticas de destruição cuja ressonância dramática tem a apropriada duração de seu entretenimento. E isso tudo começou lá atrás, quando “Godzilla”, de Gareth Edwards, foi lançado.

Lá, naquele esforço (bem-sucedido) para trazer o icônico monstrengo nipônico para o contexto da cinematografia hollywoodiana, nos foi apresentada a ideia de que Godzilla era só primeiro de outros monstros que dariam as caras nas telas eventualmente –entre eles, o clássico macaco gigante, King Kong, no divertidíssimo e efusivo “Kong-A Ilha da Caveira” –e culminaria no encontro deles, aqui, em “Godzilla Vs Kong”.

Claro que haviam obstáculos a serem transpostos, e  primeiro deles, por incrível que pareça, era a própria história (!); afinal, ao mesmo tempo que um filme não pode deixar de ter uma premissa minimamente desenvolvida, era claro para qualquer um que ninguém iria assisti-lo interessado na construção do roteiro. Os expectadores iriam conferir a obra em busca do embate cinético entre dois dos monstros mais famosos das telas de cinemas –que já se encontraram em outras ocasiões, como naqueles filmes antigos japoneses, estrelados pelo Godzilla.

A surpresa é que a produção dirigida por Adam Wingard se sai magnificamente bem desse curioso paradoxo: Seu roteiro não é (e nem almeja ser) um primor de dramaturgia, e nem tampouco se preocupa muito com eventuais lapsos narrativos (os núcleos de personagens humanos, por exemplo, parecem pertencer a dois filmes distintos que mal se preocupam em conectarem-se uns aos outros), mas sua função, para justificar e qualificar o combate entre os dois monstros, cumpre seu objetivo, entrega sucessivas cenas espetaculares, e ainda fornece oportunidades para que imagens atordoantes sejam construídas em cena.

Quando reencontramos o descomunal Kong, ele já não está mais nos anos 1970, como em seu filme anterior, e de certa forma, nem em seu habitat natural, a Ilha da Caveira: Agora, ele está numa contenção de última geração, um simulacro high-tech da Ilha da Caveira, onde cientistas –entre eles a personagem de Rebecca Hall –estudam a possibilidade de usá-lo e controlá-lo quando assim for necessário. Fundamental para isso é o laço que Kong constrói com uma garotinha surda-muda.

A oportunidade, por sinal, não tarda a surgir: O lagartão Godzilla, uma vez mais, ressurge do fundo do oceano, mas, desta vez, ao contrário do que fez no filme de 2014, e em sua continuação, “Godzilla II-O Rei dos Monstros”, lançada em 2019, ele ataca os humanos ao invés de tentar protegê-los. Oriunda do filme de 2019, a jovem Maddie (a maravilhosa Millie Bobby Brown, da série “Stranger Things”) é a única que acredita que Godzilla não é uma força do mal e, se atacou instalações de pesquisa de uma empresa privada, é porque ele percebeu, antes de qualquer um, o perigo escondido para todo o planeta que reside ali.

Assim, Maddie, ao lado do hacker Bernie (Brian Tyree Henry) e do nerd Josh (Julian Dennison, de “Deadpool 2”), seguem uma pista que os leva até Hong Kong, onde o verdadeiro vilão do filme espera o momento de atacar –e não estou falando do personagem manipulador de Demián Bichir.

Paralelo a isso –lembra quando eu falei de dois filmes que parecem nunca se encontrar? –Kong é conduzido por outros protagonistas humanos (como o personagem de Alexander Skasgaard, de "A Lenda de Tarzan") para além do mar, e seu encontro com Godzilla. Depois disso, essa trama imbrica por alguns outros mistérios nunca relevantes o suficientes (porque, no final, tudo o que queremos são sequências de luta entre os dois monstros!) que levam até o Centro da Terra (numa belíssima referência visual e narrativa ao clássico de Jules Verne) e consequentemente à batalha-clímax, ocorrida no centro de uma metrópole, e que conta com a aparição-surpresa uma terceira (e bastante famosa) criatura.

Saído das fileiras de filmes de terror, o diretor Adam Wingard soube observar, na narrativa desse espetáculo um tanto desafiador, as engrenagens que acessam o interesse do público, bem como os fatores que diferenciam meras cenas de destruição (algo que este filme tem em profusão) das imagens antológicas de fato: A incontornável condição humana.

As câmeras prodigiosas de Wingard assumem pontos de vista tão improváveis quanto privilegiados, mas um dos aspectos mais inspirados de sua realização é compreender (e acrescentar isso ao seu espetáculo) que a circunstância humana é cheia de limitações. Como as câmeras (ou o olho humano) não podem enxergar num ângulo de 360°, os movimentos que o enquadramento realiza são insanos (chegam a ficar de ponta cabeça), isso sem falar dos solavancos, da poeira e dos detritos que parecem ser jogados em nossa cara. Essa percepção, somada aos efeitos visuais cheios de propriedade, oferecem uma formidável sensação de imersão nas cenas apoteóticas de confronto. Tudo num nível de primazia, que sinceramente, poucos esperavam.

De repente, está aí o segredo do sucesso de “Godzilla Vs Kong”: Ser tão incrivelmente surpreendente em seus acertos a ponto de atingir um nível, como cinema, que poucos realmente nutriam em suas expectativas.

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