O que dizer de “Gemini”? Por quais caminhos intrincados almeja o diretor Shinya Tsukamoto narrar esta história de amor?
Provavelmente, indagações de natureza criativa
não acometem o insano realizador de “Tetsuo” quando ele molda obras como esta,
das tantas desafiadoras e desconcertantes que ele perpetrou ao longo de sua
filmografia. Temos, pois, um casal constituído pelos atores Masahiro Motoki e
Ryô, ou melhor dizendo, pelos personagens que eles interpretam (ou talvez, nem
isso...) e desse relacionamento homem/mulher Tsukamoto extrai o eixo em torno
do qual a trama de seu filme haverá de girar –embora tais movimentos sejam tão
intrínsecos, improváveis e humanamente ambíguos que sua reflexão final permite
toda sorte de interpretações.
Os minutos iniciais de “Gemini” disfarçam
habilmente do público tratar-se de uma obra legítima de Tsukamoto: Há, ali, uma
preocupação formal com enquadramentos de câmera, uma postura elegante que
remete a uma narrativa mais clássica, mais tradicional. E talvez não pudesse
ser mesmo diferente na história do jovem e benevolente médico Yukio Daitokuji
(Masahiro Motoki, astro do magnífico “A Partida”), adorado por seus pacientes,
admirado por seus familiares (o pai e a mãe, no caso), e bajulado por seus
empregados. Yukio só tem olhos, porém, para Rin (a atriz, modelo e cantora
Ryô), jovem desmemoriada encontrada por ele mesmo à beira de um riacho após
aparentemente ter escapado de um incêndio onde teve toda a família morta.
Yukio está fascinado por Rin, e embora ela
ocupe um lugar intermediário na casa entre o de uma empregada e de uma parente
adotiva, aos poucos, o rapaz convence seus pais a deixarem-no desposá-la, a
despeito da sensação um tanto nefasta que ronda a casa desde que ela por lá
apareceu.
Após o falecimento do pai, seguido, pouco
depois, pelo da mãe –ambos em circunstâncias um bocado nebulosas e suspeitas
–coisas realmente estranhas ocorrem ao casal; e então, “Gemini” passa a se
converter num filme de Shinya Tsukamoto de fato!
Na noite em que tem um desentendimento com Rin
–ele revela a ela seu desprezo pelos moradores da favela local, o que suscita nela,
inesperado assombro –Yukio é atacado por uma duplicata, um sósia, um döppelganger (!) que o atira no fundo do
poço localizado em seu terreno. Lá, Yukio agoniza, enquanto seu sósia assume
seu lugar na casa e ao lado de Rin.
Entretanto, engana-se quem achar que “Gemini”
segue as linhas convencionais de um mero suspense daqui para frente –na
verdade, o filme revela novas informações acerca de quem realmente são o gêmeo
malvado de Yukio (que cruelmente visita e revisita o pobre desolado Yukio a
padecer no fundo daquele poço só para torturá-lo e provocá-lo) e a
aparentemente inocente Rin, preservando a importância da pergunta: “Gemini” é,
no fim das contas (e por trás de toda a neurose assim caracterizada, de todo o
sadismo injustificado, de todas as brutalizadas dinâmicas que apresenta, onde
ninguém confia em ninguém), uma história de amor?
Em um nível alegórico, sim, se tomarmos os dois
personagens distintos, complementares e diametralmente opostos de Masahiro
Motoki (inclusive nas metamorfoses que experimentam) como as representações
masculinas de um relacionamento –sendo os esforços da personagem Rin para
adaptar-se a eles e às suas presunçosas tentativas de confundí-la, uma
representação do papel feminino num romance (sobretudo, o papel feminino numa cultura
de abnegação imposta como a japonesa).
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