quarta-feira, 5 de maio de 2021

O Fantasma do Paraíso


 Experiência de Brian De Palma quando ainda não havia se consolidado como o sucessor de Alfred Hitchcock no cinema –há, quando muito, uma referência bastante explícita e brincalhona à cena do chuveiro de “Psicose” –este misto de ópera-rock, musical, comédia de humor negro, tragédia romântica e terror une ecos de “Fausto”, “O Retrato de Dorian Gray” e “O Fantasma da Ópera” num mesmo caldeirão pop pulsante e vívido, abastecido pela mente irrequieta e frequentemente sádica de seu diretor.

Somos apresentados à história do desafortunado Wislow Leach (William Finley, de “Dália Negra”), um compositor exótico e desengonçado, porém talentoso, lutando por um lugar ao sol. Essa é também a história do inescrupuloso Swan (Paul Williams, de “Regras da Atração”), um rico e poderoso empresário do ramo musical. Swan realiza audições em busca da apresentação perfeita para inaugurar seu suntuoso clube, o Paraíso –e, para tanto, procura pela música e pela intérprete ideal. No devido tempo, encontra ambos: A música, ele encontra quando ouve as inspiradas composições criadas pelo esquisito Wislow Leach. E tão insignificante ele lhe parece que Swan sequer cogita contratá-lo; ele simplesmente despacha um de seus capangas para apoderar-se da música de Wislow, e pronto.

Nos dias que se seguem, o perplexo, mas ainda ingênuo Wislow tenta de todas as maneiras entrar em contato com Swan, mas o empresário tomou providências para tornar-se inacessível para ele. Seu interesse era na arte, não no artista.

É durante a indignada tentativa de encontrar Swan –e receber o devido crédito pelo que fez –que Wislow se cruza com a outra peça desse quebra-cabeças: A cativante Phoenix (Jessica Harper), tentando uma vaga como cantora no Paraíso.

Nitidamente a mais habilidosa das candidatas, Phoenix de pronto conquista o coração de Wislow –por mais que as cenas entre os dois sejam bastante breves –fazendo com que ele prometa a ela que será a cantora de suas composições, aconteça o que acontecer.

Entretanto, Swan é um ser maligno (na verdade, ele é ‘O’ ser maligno) e antes de vislumbrar qualquer esperança otimista, tanto Wislow quanto Phoenix caem nas engrenagens manipuladoras e devastadoras que ele criou: Sem ganhar qualquer reconhecimento pelas músicas (que passam a fazer sucesso), Wislow sofre uma armação e vai para a cadeia, escapando de lá obcecado em vingar-se. Numa espiral de tormento frenético, ele invade a gravadora de Swan e tem o rosto desfigurado por uma prensadora de discos (!), antes de desaparecer (e ser dado como morto) num rio poluído. Mas, Wislow não morre: Ele retorna transformado no agora Fantasma do Paraíso –o momento em que o filme assume suas inconfundíveis tintas de “O Fantasma da Ópera” –ostentando uma capa preta e um elmo semelhante à cabeça de um pássaro, curiosamente, o símbolo da gravadora de Swan. Esgueirando-se pelos bastidores do Paraíso, Wislow sabota os ensaios tentando chamar a atenção de Swan até consegui-lo.

Contudo, Swan torna a enredá-lo: Ele prende Wislow numa espécie de estúdio, onde ele compõe música seguida de música para uma grande apresentação sob a promessa de que agora terá todo o reconhecimento merecido, e que as canções terão Phoenix como cantora exclusiva. Ainda assim, Swan segue sendo desonesto: Ele ludibria Wislow, entregando a execução das músicas à outros cantores, mais medíocres, o que leva o Fantasma do Paraíso à atitudes extremas. Ele foge do estúdio onde tentaram prendê-lo, e mata –com requintes extravagantes e satíricos –o vocalista do show em pleno palco (!), fazendo com que, por fim, Phoenix se apresente.

No entanto, o diretor e roteirista De Palma chega a pulsar de tanto sadismo para com seu protagonista: No instante em que consegue seu intento –o estrelato de sua musa –o Fantasma do Paraíso pavimenta o caminho para seu sofrimento; Swan aproveita-se do fato de que Phoenix jamais aceitaria o desfigurado Wislow como companheiro e seduz a jovem cantora, apenas para saborear o insuportável tormento dele e provar-lhe que o contrato que assinaram –feito com sangue, tal e qual um pacto com o demônio! –o impede até mesmo de encontrar alguma paz por meio da própria morte.

Resta a Wislow, portanto, articular um último e derradeiro plano de vingança contra Swan.

Longe de simplismos, o filme de De Palma é desafiador para públicos acostumados a enredos cujos personagens sejam bem delineados em suas índoles, sem áreas cinzas. Seu romance nunca adquire ares convencionais –a ponto de haver uma interrogação se há romance de fato –e mesmo os elementos intrínsecos de tragédia veem acompanhados de uma irreprimível moldura descontraída de música agitada e pesada e de comédia despreocupada e ácida.

Essas facetas transformam “O Fantasma do Paraíso” numa obra extremamente desigual, a qual muitos expectadores ficaram indecisos mesmo em afirmar se gostaram ou odiaram. De uma coisa, porém, não há dúvida: Ele é memorável.

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