sexta-feira, 17 de maio de 2019

Dália Negra

Prova de que James Ellroy não é um autor fácil de ser transposto para os meandros narrativos do cinema é o brilhante “Los Angeles-Cidade Proibida”, do diretor Curtis Hanson: Tão mais brilhante ele é pela maneira com que encontra, numa estrutura cinematográfica, para agregar as muitas ponderações que convergem na trama policial lá concretizada.
Nesta nova adaptação de um romance de James Ellroy se podia pressentir o conceito bastante promissor ao unir um escritor de hábeis narrativas criminais e um diretor especializado em obras tensas e violentas, capazes de tirar o fôlego da plateia e que, não obstante os anos de experiência acalentados, conseguiu se manter relativamente autoral. E, de fato, fiel à pecha de brilhante artesão que sempre o acompanhou, o diretor De Palma reforça elementos, neste film noir contemporâneo, que fazem e fizeram dele um dos grandes estetas do suspense.
Dois policiais (Josh Hartnett e Aaron Eckhart), antigos adversários de pugilismo (apropriadamente apelidados então de ‘Mr. Ice’ e ‘Mr. Fire’) e agora parceiros, são incumbidos de um caso que chocou a Los Angeles dos anos 1920 (e que é inteiramente inspirado num caso real que abalou a crônica policial daquela época): O macabro e brutal assassinato da jovem aspirante a atriz Elizabeth Short (mostrada somente num filme dentro do filme, e vivida pela atriz Mia Kirshner).
Um deles torna-se obcecado em resolver o crime, enquanto o outro pouco a pouco busca conforto nos braços da esposa do parceiro (a belíssima Scarlett Johansonn). Há outras figuras enigmáticas que vão surgindo, todas ligadas a uma complexa teia de relacionamentos e mentiras que levam a elucidação do crime.
Há um esforço, louvável da parte de De Palma, em capturar a verve abrangente do universo noir que James Ellroy conseguia discorrer em seus textos, essa preocupação com suas múltiplas camadas de narrativas e pontos de vista, e o olhar sobre o comportamento humano ante a decadência moral, inerente à De Palma, fazem toda a diferença em seu filme: O tornam desigual, para não dizer até singular.
Contudo, De Palma tropeça nos mesmos elementos que já se presume que irão comprometê-lo: Na pretensão de abarcar o monumento de informações que constituía o livro, “Dália Negra”, o filme, transforma sua trama principal –ou aquela que isso supostamente deveria ser –numa vertente entre tantas outras que compõe o turbilhão que se vê aqui. A busca pelo assassino, e a investigação subsequente (bem como a obsessão errônea de um dos detetives acerca dela) transcorre ao lado do caso extraconjugal envolvendo a personagem de Scarlett, da relação ambígua dos investigadores aliados, ironicamente rivais na ocupação anterior; do quebra-cabeça envolvendo a sórdida trajetória de Elizabeth Short; e de tantas outras sub-tramas que se somam, numa pluralidade que termina gritando mais alto que a trama principal.
Ao fim, quando pontas soltas dispersas no roteiro são habilmente interligadas num belo trabalho de elucidação, sobram muito poucos expectadores capazes de rememorar com precisão os indícios deixados pouco antes, para que se possa considerar o trabalho de De Palma no mesmo nível de outros que ele foi capaz de engendrar.
Como todo bom De Palma, este é envolvente, sensual e estiloso, porém, a personalidade excessivamente loquaz de seu autor James Ellroy o torna também disperso em sua vasta gama de informações.

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