Às vezes, apontar protagonistas e coadjuvantes de um filme pode ser uma tarefa complicada. Tomemos o notável “A Favorita”, de Yorgos Lanthimos, como exemplo: Durante toda temporada de premiações de seu ano (2019), seu trio sensacional de atrizes disputou nas categorias principais (sendo nomeadas Emma Stone e Rachel Weisz) e coadjuvante (Olivia Colman), já na cerimônia do Oscar, Emma e Rachel foram indicadas como coadjuvantes, enquanto que Olivia concorreu como Melhor Atriz –prêmio que ela terminou vencendo.
É uma curiosidade que ilustra as nuances
envolventes e imprevistas que cercam essas três personagens do início ao fim da
intriga que o diretor Lanthimos conduz com fulgor analítico e antropológico.
Durante a Era Vitoriana, a outrora burguesa Abigail
(Emma Stone, esperta e ardilosa), tornada camponesa por infortúnios da vida,
chega à corte da Rainha Anne (Olivia Colman, uma força da natureza) para
trabalhar como criada. Sua prima, Lady Marlborough (Rachel Weisz, no ponto de
equilíbrio de sisudez e manipulação) a acolhe, relutante e apática.
Aos poucos, Abigail vai se desvencilhando das
armadilhas sórdidas que sua situação lhe reserva e descobrindo pequenas
informações úteis: Que a Rainha Anne é tão bipolar quanto ingênua e
influenciável; que ela e Lady Marlborough são amantes e, ao valer-se disso,
Marlborough administra com mandos e desmandos o reino, impelindo a Inglaterra
para uma guerra contra a França, a despeito da oposição do venenoso conselheiro
Harley (Nicholas Hout) e suas ideias liberais no que tange ao conflito e aos
impostos cobrados do povo –o financiamento, afinal, para o confronto.
Não demora para Abigail, nada simplória,
encontrar uma equação na qual todos esses elementos acabam trabalhando ao seu
favor: Ao obter gradualmente, o apreço da rainha, ela também conquista a
aliança de Harley, com quem almeja a chance de sabotar o monopólio social e
existencial exercido por Marlborough na corte. Abigail assim pode deixar para
trás a mal-fadada condição de criada, e regressar ao posto de nobre, enquanto
vai vendo sua oponente perder espaço nesse jogo de interesses.
O trabalho de Lanthimos –como ele já o fez nos
singulares “Dente Canino”, “O Lagosta” e “O Sacrifício do Cervo Sagrado” –cria
uma caracterização rica em detalhes, fiel em pesquisa histórica, mas travessa
em pequenos detalhes ficcionais que agregam tanto estranheza quanto fascínio ao
todo; a corte inglesa, no filme, parece aquilo que, aos olhos contemporâneos
do expectador, ela de fato é: Uma fauna de indivíduos bizarros, quase grotescos
em seus modos e adereços incabíveis, e ainda assim norteados por concepções
extremas de vaidade e arrogância.
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