quarta-feira, 30 de junho de 2021

A Favorita


 Às vezes, apontar protagonistas e coadjuvantes de um filme pode ser uma tarefa complicada. Tomemos o notável “A Favorita”, de Yorgos Lanthimos, como exemplo: Durante toda temporada de premiações de seu ano (2019), seu trio sensacional de atrizes disputou nas categorias principais (sendo nomeadas Emma Stone e Rachel Weisz) e coadjuvante (Olivia Colman), já na cerimônia do Oscar, Emma e Rachel foram indicadas como coadjuvantes, enquanto que Olivia concorreu como Melhor Atriz –prêmio que ela terminou vencendo.

É uma curiosidade que ilustra as nuances envolventes e imprevistas que cercam essas três personagens do início ao fim da intriga que o diretor Lanthimos conduz com fulgor analítico e antropológico.

Durante a Era Vitoriana, a outrora burguesa Abigail (Emma Stone, esperta e ardilosa), tornada camponesa por infortúnios da vida, chega à corte da Rainha Anne (Olivia Colman, uma força da natureza) para trabalhar como criada. Sua prima, Lady Marlborough (Rachel Weisz, no ponto de equilíbrio de sisudez e manipulação) a acolhe, relutante e apática.

Aos poucos, Abigail vai se desvencilhando das armadilhas sórdidas que sua situação lhe reserva e descobrindo pequenas informações úteis: Que a Rainha Anne é tão bipolar quanto ingênua e influenciável; que ela e Lady Marlborough são amantes e, ao valer-se disso, Marlborough administra com mandos e desmandos o reino, impelindo a Inglaterra para uma guerra contra a França, a despeito da oposição do venenoso conselheiro Harley (Nicholas Hout) e suas ideias liberais no que tange ao conflito e aos impostos cobrados do povo –o financiamento, afinal, para o confronto.

Não demora para Abigail, nada simplória, encontrar uma equação na qual todos esses elementos acabam trabalhando ao seu favor: Ao obter gradualmente, o apreço da rainha, ela também conquista a aliança de Harley, com quem almeja a chance de sabotar o monopólio social e existencial exercido por Marlborough na corte. Abigail assim pode deixar para trás a mal-fadada condição de criada, e regressar ao posto de nobre, enquanto vai vendo sua oponente perder espaço nesse jogo de interesses.

O trabalho de Lanthimos –como ele já o fez nos singulares “Dente Canino”, “O Lagosta” e “O Sacrifício do Cervo Sagrado” –cria uma caracterização rica em detalhes, fiel em pesquisa histórica, mas travessa em pequenos detalhes ficcionais que agregam tanto estranheza quanto fascínio ao todo; a corte inglesa, no filme, parece aquilo que, aos olhos contemporâneos do expectador, ela de fato é: Uma fauna de indivíduos bizarros, quase grotescos em seus modos e adereços incabíveis, e ainda assim norteados por concepções extremas de vaidade e arrogância.

Na condução precisa e perfeita desta incomum produção de época, Lanthimos encontra brilhantes oportunidades para ecoar em sua narrativa facetas vívidas e palpitantes de um triângulo amoroso (no qual a rainha aos poucos transfere o posto de ‘preferida’ de uma para outra) e de uma intriga de bastidores (pois no final é isso que a disputa velada, conspiratória e planejada entre Abigail e Marlborough é), mas ele aproveita de fato para fazer de “A Favorita” uma obra que transcende as definições do próprio gênero a que está inserido (fazendo, nesse sentido, lembrar o desigual “Barry Lyndon”, de Stanley Kubrick) e revelar-se uma grata e originalíssima surpresa ao expectador.

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