quinta-feira, 21 de junho de 2018

Barry Lyndon


O projeto de Stanley Kubrick anterior à “Barry Lyndon” foi “Laranja Mecânica”. Assim, a mente de Kubrick pareceu encontrar um meio de exorcizar a anarquia futurista à qual mergulhou a fundo vislumbrando, desta vez, o passado numa análise dotada de essencial consciência do dever, seja aquele cumprido ou aquele ao qual se falta: “Barry Lyndon” registra toda um sucessão de mau-caratismos impune evidenciados numa narrativa algo melancólica.
Ryan O’ Neal (com uma expressão excessivamente contida que serve aos propósitos do diretor) interpreta Redmond Barry, um irlandês metido a conquistador que, no século XVIII, é obrigado pelas circunstâncias a deixar sua cidade –ele sobrevive, na cena inicial do filme, a um duelo contra um errádico e indignado desafiante.
No decurso de suas inusitadas desventuras pelo mundo, ele acaba lutando na Guerra dos Sete Anos ao lado dos britânicos contra o exército prussiano e, após uma missão designada por seu oficial, junta-se a um especialista em golpes (Patrick Magee), com quem passa os anos seguintes aprimorando sua aptidão como vigarista em meio à nobreza européia.
O êxito da trapaça traz junto consigo a soberba da pretensão e Redmond resolve executar seu golpe mais ambicioso casando-se com a rica viúva Lady Lyndon (Marisa Berenson, de “Morte Em Veneza”), de quem oportunamente acaba herdando o sobrenome –título de nobreza pertencente ao falecido marido dela!
Os anos se passam na cadência analítica e distanciada imposta por Kubrick na medida em que testemunhamos a tentativa de alpinismo social do protagonista em contraponto à sua incapacidade real de integrar a elite e, próximo do final, o antagonismo relutante e sôfrego representado por seu enteado, já adulto, o quê conduz a mais uma cena de duelo –assim como no iníco –o que arremata com simetria astuciosa a narrativa.
Filmado com intenções inovadoras da parte de Kubrick –sem qualquer iluminação artifical, apenas velas e luz solar num esforço para reproduzir o trabalho de luz dos quadros da época, “Barry Lyndon”, contudo, não é uma antítese absoluta à “Laranja Mecânica”, mas uma reiteração completa de Kubrick ao seu próprio estilo perpetrada numa produção radicalmente diferente em gênero, temática e narrativa: Barry Lyndon e Alexander De Large (o protagonista de “Laranja Mecânica”) são equivalentes em suas trajetórias, no registro indiscriminado ao humor e ao drama, que permeia suas acensões e quedas.
O filme padece de um injusto reconhecimento como uma das mais subestimadas obras de Kubrick, certamente devido à escolha, um tanto apropriada para refletir a escancarada ostentação visual da produção, por uma contenção emocional que intencionalmente impede uma conexão maior com qualquer experiência de seus personagens.

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