sexta-feira, 23 de setembro de 2022

A Vida de Brian


 O grupo inglês Monty Phyton (cujos integrantes, neste e em outros filmes, se multiplicam num sem-fim de personagens interpretados simultaneamente) já tinha provado ser hábil no humor nonsense, graças ao seu programa televisivo exibido na Inglaterra e ao longa-metragem para cinema “Monty Python Em Busca do Cálice Sagrado”.

Com “A Vida de Brian”, eles provaram, na verdade, serem destemidos. Há algo de corajoso –e não raro inconsequente –por trás da ideia de conceber toda uma saga banhada em humor corrosivo e demolidor sobre um homem cuja vida transcorreu paralela à de Jesus Cristo (!).

Assim foi o caso do protagonista Brian (Graham Chapman) que já começou nascendo numa manjedoura vizinha à do Salvador e, ao longo de toda a vida, teve experiências que ladearam a de Cristo.

Na visão espumante de ironia do Monty Phyton, entre outras coisas, o fato de viver em paralelo ao Messias acarretou à Brian uma mediocridade sem precedentes –tão fulgurantes foram, para a história da humanidade, os acontecimentos que se sucediam próximos aos do personagem principal que sua luz terminou ofuscando o que ele fez e tentou fazer, e nesse infortúnio existencial tremendo, os comediantes ciscam tentando procurar por graça.

Onde quer que vá, e o que quer que faça, Brian terminava sendo confundido com Cristo –isso ocorre até mesmo no momento do seu nascimento, quando os três reis magos entregam primeiramente as oferendas à sua mãe (interpretada, num trabalho afiado de travestismo, pelo próprio diretor Terry Jones), para depois reparar seu equívoco à base de bordoadas (!!). Eventualmente, após tanto ser tomado por profeta e salvador por outrem –não sem antes se esforçar para seguir uma vida normal participando de corriqueiras revoltas contra os romanos (?!) –Brian acaba, contra sua própria vontade, assumindo esse papel.

Tão ácido, incontrolável e sistematicamente irreverente “A Vida de Brian” é que expectadores convencionais correm o risco de passar completamente despercebidos de sua perspicaz reflexão, uma vez que ela está oculta atrás de uma quase intransponível muralha de humor inglês depreciativo: A de que certas definições que nos perseguem em vida são assim inescapáveis.

Essa curiosa e até profunda ideia não é nem um pouco mastigada para o público: “A Vida de Brian” a entrega por meio de um filme que nada mais é que um turbilhão incessante de cenas antológicas da comédia refinada cinematográfica, como o reparo inesperado do centurião romano, mas interessado em cortar a garganta de Brian pelos erros gramaticais da pintura que ele fez numa parede que pela mensagem subversiva nela contida; a súbita (e hilariamente injustificada) aparição de alienígenas em meio à fuga do herói de alguns gladiadores; a crucificação, na qual é entoada, numa evocação inacreditável dos musicais antigos, a estranhamente inapropriada “Always Look On The Bright Side Of Life”, e muitas outras.

Dentre os dois diretores mais usuais do Monty Python, Terry Jones sempre foi mais seco, objetivo e árido do que Terry Gilliam, mais chegado à minúcias visuais e intelectuais, talvez, por essa mesma razão, sua sátira aqui engendrada é tão impactante e contagiante que “A Vida de Brian”, mesmo na circunstância controversa que se coloca, ganhou admiradores e fãs no mundo todo que o tornaram uma inesperada referência na cultura pop a ponto de, ao longo dos anos, originar outras obras musicais cujas canções passam a ser entoadas em teatros do mundo todo.

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