sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Cry - Baby


 “Cry Baby” ocupa um lugar transitório na consideração que dele pode ser feito –não é suficientemente transgressivo para os padrões do diretor John Waters, mas é ácido o bastante para exacerbar o comportado circuito comercial norte-americano; como ele bem o fez em meados de 1990.

Fruto do encontro do diretor Waters (conhecido por suas alfinetadas contundentes e debochadas do american way of life em “Pink Flamingos”, “Polyester” e “Hairspray”) com o jovem astro Johnny Depp (então ídolo adloescente da série “Anjos da Lei”, disposto a cachoalhar sua carreira participando de produções pouco usuais que se distanciassem da imagem que aos poucos o público começava a fazer dele), “Cry Baby” é nítido em seu bem-humorado inconformismo: Ambientado na mesma Baltimore que sedia todas as tramas amalucadas de Waters, o filme parece uma subversão de “Grease-Nos Tempos da Brilhantina” e, como ele, é um musical (!). O subúrbio tipicamente norte-americano do final da década de 1950 que serve de cenário ao filme é palco de uma disputa entre facções jovens absolutamente antagônicas, os almofadinhas Squares e os desajustados Drapes.

Os Squares representam, pelo menos em sua superfície, os riquinhos da classe alta local, engomadinhos, esnobes e arrogantes. Os Drapes são seu oposto, uma gangue composta de enjeitados, renegados e párias nos mais diversos sentidos. E tal qual os Montecchio e Capuleto (de “Romeu e Julieta”), é de cada um desses grupos que sairão os dois integrantes do romance que centralizará o enredo.

Na cena que abre o filme –uma sessão de vacinação escolar bizarra e exorbitante –tanto a jovem Alisson dos Squares (Amy Locane, candidamente sensual), quanto o rebelde Wade “Cry-Baby” Walker (Johnny Depp) se descobrem almas gêmeas. Nas confusões que se seguem, Alisson alimenta a intenção de abandonar os Squares, assim como seu irritante noivo, Baldwin (Stephen Mailer, de “O Reverso da Fortuna”), para fugir na garupa da moto de Cry-Baby. Dessa forma, eles vão parar numa festa nos arredores da cidade onde o grupo muito peculiar de comparsas e familiares de Cry-Baby se reúne –um grupo que é praticamente uma versão mais amenizada das figuras desconcertantes de “Pink Flamingos”. Ainda assim, há bizarrice de sobra: Entre eles, está a avó de Cry-Baby (Susan Tyrrell, de “Conquista Sangrenta”), uma vendedora de armas ilegais, namorada de Belvedere (o insano rock-star Iggy Pop) um desleixado esquisitão; Pepper, a irmã de Cry-Baby (Ricki Lake, a mocinha de “Hairspray”), mãe solteira de duas crianças e grávida de uma terceira (!); a medonha Hatched Face (Kim McGuire) cuja expressão do rosto e maquiagem compõem um dos rostos mais caricaturais e tenebrosos da filmografia de Waters; além de Wanda (a estrela pornô Tracy Lords) cujos pais (David Nelson e a célebre sequestrada Patricia Hearst) estão por um fio de trocá-la por uma filha adotiva holandesa (!?!).

Após uma tremenda confusão provocada pelos Squares, a turma de Cry-Baby, sempre incompreendidos, acaba indo parar no tribunal, onde terminam recebendo suas sentenças, sobretudo, o protagonista que é enviado para uma cadeia pública. É em sua chegada lá que testemunhamos a breve participação (de uma única cena) de Willen Dafoe, a interpretar um guarda-carcerário com trejeitos inspirados em Jerry Lewis.

Logo, Cry-Baby fugirá do local –ou tentará fazê-lo, num plano muito mambembe e mal-fadado, a lembar também a fuga de “Daunbailó”, de Jim Jamursch, enquanto isso, entre intrigas e revelações, os Drapes se reagrupam e, junto de Alisson, seguem para a cadeia numa última tentativa de tirar Cry-Baby detrás das grades.

Toda essa narrativa caricata, afetada e exagerada –adjetivos que espelham a caracterização de cada um dos personagens –é impulsionada por uma percepção musical que contamina o filme e o adorna com ritmo e melodia deliberadamente kistch. Esse esforço de John Waters em se fazer mais acessível, ligeiramente afastado do underground que o fez notório, soa estranho, irregular e por vezes esquizofrênico, definitivamente um corpo estranho no cinema comercial daquele início dos anos 1990.

Ainda assim, há charme e nostalgia na curiosa evocação dessa linguagem tão aparentemente reconhecível de um cinema à moda antiga que comporta, aqui, uma exaltação do peculiar, do grosseiro e do marginal. Na medida do possível, Waters se adaptou ao mainstream para nele encontrar ferramentas cinematográficas mais arrojadas, orçamento palatável, distribuição e exposição midiática (todas regalias que seu cinema de guerrilha anteriormente não tinha), no entanto, sem deixar de lado a fidelidade arguta às suas próprias convicções. O resultado disso tudo é este filme incomum, desigual, debochado, inconsequente e brega –e extremamente saboroso enquanto tal!

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