Penúltimo trabalho de Walter Hugo Khouri e a vigésima quarta obra cinematográfica por ele realizada, este “As Feras” atravessou uma gestação longa e conturbada, além de já carregar consigo diversas características que definiram o cinema da retomada e dos quais nem mesmo um artesão com a experiência e o gabarito de Khouri foi capaz de se desvencilhar: A fotografia e a edição (primeira experiência com montagem eletrônica feita por Khouri no cinema) trazem maneirismos dos profissionais da publicidade de então o que acarreta ao feito uma iluminação e uma aparência lívida de propaganda televisiva –e não havia realmente como fugir do fato de que os profissionais de audiovisual disponíveis para esses trabalhos vinham dessas áreas onde, afinal, ganhavam a vida.
No mais, contudo, “As Feras” resgata o mesmo
cinema que, como autor, Khoury insistiu, durante toda vida e carreira, em
desempenhar: Uma avaliação psicológica e pseudo-intelectual regada à sexo (onde
se sobressaem magnificamente os corpos nus do elenco feminino) na qual está em
foco as questões existenciais dos relacionamentos e da vida moderna.
Em sua estréia no cinema (e, por isso mesmo,
apresentando uma atuação dramática que deixa a desejar), a então modelo Claudia
Liz interpreta Ana, uma estudante de psicologia que apaixona-se por seu
professor, Paulo (Nuno Leal Maia), vinte anos mais velho. Tal fato não permite
que Ana perceba a paixão que ela própria despertou, por sua vez, na diretora de
teatro Monica (Branca Camargo), apesar desta namorar a atriz Laura (Beth
Prado). Essa ciranda de amores e de tensões sexuais entra em conflito quando as
três personagens, Ana , Monica e Laura, passam a trabalhar juntas na montagem
da peça teatral “Lulu”, escrita pelo dramaturgo Frank Wedekind (um dos ídolos
de Walter Hugo Khoury, a quem ele fez outras referências ao longo de sua
filmografia).
Feito e refeito ao longo de quase uma década,
“As Feras” foi um projeto que transmutou-se a medida que seu diretor Khoury e
os produtores que bancaram a obra, em diferentes estágios, discordavam do
formato de sua história –embora filmado em 1995 (com, pelo menos, cinco anos
anteriores dedicados à pré-produção) “As Feras” só foi lançado mesmo em 2001.
Dessa maneira, acabou recuperando o centro da
narrativa o personagem Paulo e suas inquietações existenciais de ordem sexual,
nutridas desde muito jovem, a envolver a libido e a sensualidade de sua prima
mais velha Sônia (Lúcia Veríssimo), por quem era obcecado. Uma mulher de forte
ambivalência sexual cujos envolvimentos amorosos –que prescindiam a presença
masculina –sempre o atormentaram. Essa transferência do protagonismo, de Ana
para Paulo, é uma postura que aproxima-se mais ao trabalho desenvolvido por
Khoury, no qual o sexo (enfatizado no forte erotismo presente e no desfilar de
maravilhosas atrizes) tem papel fundamental na gênese da personalidade e dos
distúrbios do ser humano.
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