sexta-feira, 6 de junho de 2025

O Dilema das Redes


 Pode ser um pouco difícil para alguns expectadores lidar com as verdades impactantes acerca da vida moderna com as quais este formidável documentário nos confronta. Produção exclusiva da Netflix, este “O Dilema das Redes” traz para a luz dos holofotes os depoimentos de Tristan Harris e de vários outros ex-funcionários de algumas das mais poderosas empresas de automação mundial, como o Facebook, o Instagram, o Gmail, o Pinterest, o Twitter, o TikTok e o Google –e todos eles, revelam terem sido testemunhas de uma prática corporativista despida de princípios morais. Uma prática que já conduziu a alguns momentos de profunda celeuma da nossa civilização atual e, afirmam categoricamente certos especialistas, pode levar ao colapso total da sociedade humana como nós a conhecemos.

Sim, dirigido por Jeff Orlowski, “O Dilema das Redes” é assustador nesse nível!

O que acontece é que Tristan Harris, assim como os programadores Justin Rosenstein e Tim Kendall, e o cientista da computação Jaron Lanier, além de muitos outros, viram por dentro o funcionamento de empresas que nasceram no Vale do Silício e que, com o advento implacável e irrefreável da internet, cresceram exponencialmente a ponto de ditarem os rumos globais. Entretanto, ninguém previu os efeitos colaterais acarretados pela transformação irreversível dos relacionamentos interpessoais com a adição das mídias digitais. Segundo eles, a ideia de anonimato nas redes sociais é pura ilusão: A tecnologia atual é mais do que capacitada para rastrear e compilar dados sobre qualquer pessoa, dentre tantos bilhões, que se veem conectados em todo o planeta Terra. Em seus depoimentos, eles afirmam, há um algoritmo para toda e qualquer pessoas conectada (e isso inclui, VOCÊ, que neste momento lê este texto!), e esse algoritmo, numa primeira análise, estuda os padrões de comportamento e gostos pessoais do usuário, para então sugerir páginas e mais páginas daquilo que ele está inclinado a gostar. É, no entanto, uma ilusão: O algoritmo tem apenas duas diretrizes principais; a primeira é garantir a conectividade do usuário e fazê-lo viciar nas mídias digitais disponíveis (e o algoritmo é tão incrivelmente eficiente nisso porque foi projetado por estudiosos do comportamento humano com base em noções aprimoradas de psicologia); a segunda e mais terrível de suas diretrizes é que o algoritmo essencialmente foi criado para estabelecer uma manipulação que cerceia cada pessoas conectada. Alienação humana. Uma vez monitorados os padrões comportamentais e as predisposições culturais, políticas e sociais da pessoa, o algoritmo sabe para qual nicho de pensamento pode direcionar o usuário da rede, sem que ele sequer perceba o que está sendo feito.

Com base nesse procedimento, já realizado à décadas, aconteceu o Movimento Terraplanista, o Pânico da Covid e a recente Polarização Política –além de outros tantos fenômenos comportamentais em massa. O extremismo ideológico é apenas uma das inúmeras consequências do impacto das redes sociais –e das inteligências artificiais que a regem –na condução da nossa sociedade. As gerações mais novas, aquelas que cresceram tomando contato direto com as tecnologias móveis como o celular, são as mais afetadas: No ponto em que estão, os jovens têm seus cérebros absolutamente incapazes de se desvencilhar da conectividade. Numa encenação alarmante realizada com o objetivo de ilustrar o efeito da manipulação do algoritmo sobre as pessoas, vemos os membros de uma família tentando lidar com os vícios em tecnologia dos dois filhos mais jovens (vividos por Skyler Gisondo e Sophia Hammons). A mãe propõe que fiquem uma hora –uma única hora! –desconectados a fim de terem um almoço tranquilo em família. Para tanto, ela coloca os celulares dentro de um pote hermético com um timer programado para se manter fechado por 60 minutos. Após alguns segundos de desconforto da parte dos filhos adolescentes, a caçula nota o celular piscando com os avisos de notificações e não resiste à vontade de tentar abrir o pote. Quando não consegue, ela simplesmente pega um martelo (!) e destrói o pote para poder pegar novamente seu celular (!!).

É curioso constatarmos que, do ponto de vista jurídico, quase não existam leis que se apliquem ao uso ou o desuso da internet –e isso é somente um dos fatores por meio dos quais esse controle desmedido e assombroso (algo quase orwelliano) sobre a vida de milhões de pessoas é executado sem qualquer impunidade, legislação ou questionamento moral. Especialistas em automação garantem que o desempenho sem freios do algoritmo sobre a índole desses jovens tão sugestionáveis pode levar o mundo, em questão de anos, a um cenário caótico como uma disfunção autocrática e uma economia global em ruínas –e essas são as calamidades que PODEM ser previstas; existem ainda aquelas que podem surgir sem que ninguém espere!

Ao trazer um pesadelo outrora reservado às mais distópicas das ficções para o mundo real, “O Dilema das Redes” almeja fazer uma advertência e levar a uma espécie de conscientização da população mundial acerca do uso indiscriminado das redes sociais e seus efeitos nocivos. Esperamos que não seja tarde demais.

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