segunda-feira, 8 de junho de 2020

O Enigma da Pirâmide

Quando foram anunciados ao público os filmes de “Sherlock Holmes” estrelados por Robert Downey Jr., eles foram alardeados como uma releitura para as novas gerações de expectadores do icônico personagem do escritor Arthur Conan Doyle, ignorando o fato de que isso já havia sido feito, nos anos 1980, em “O Enigma da Pirâmide”.
Em Hollywood, afinal, nada se cria, tudo se copia.
“O Enigma da Pirâmide” –título que eu considero infinitamente menos interessante que o seu original “The Young Sherlock Holmes” –era uma produção típica de Steven Spielberg do período, leia-se, uma aventura de sustos moderados (no entanto, plenos de diversão), emprego astuto dos efeitos especiais de última geração à disposição na época, e uma reunião de vários colaboradores e apadrinhados: Aqui, no caso, havia o roteiro do depois diretor Chris Columbus (que então havia também escrito “Gremlins” e “Os Goonies”) e o diretor Barry Levinson, para quem Spielberg –numa manobra que depois veio a se arrepender –ceder para dirigir o roteiro de “Rain Man” quando desistiu da ideia; só para ver o filme e Levinson faturarem o Oscar 1989!
Mas, voltemos à “O Enigma da Pirâmide”: Em sua proposta salutar de entretenimento (que ele atinge com honras e requintes) e na construção de um herói novo em folha que promove, o filme muito se aproxima de características fortemente presentes nos filmes de “Indiana Jones”, do próprio Spielberg, que faziam grande sucesso –até mesmo a ótima trilha sonora de Bruce Broughton recria acordes que lembram imediatamente as partituras de John Williams –a ideia parecia ser conceber uma nova franquia de filmes sucessivos, acrescida do tempero diferenciado do terror.
O roteiro de Columbus, surpreendentemente despido de maiores pretensões, imaginava com muita espirituosidade e descontração, como teria sido o primeiro encontro (nunca revelado nas obras canônicas de Conan Doyle) entre Sherlock Holmes e seu grande amigo John Watson, quando ainda jovens, antes do protagonista ter agregado as diversas características marcantes que o definiriam como grande detetive investigador.
Em plena Inglaterra Vitoriana, o jovem Watson (Alan Cox, de “O Quebra-Nozes”), narrador do filme com sua voz já adulta (no caso pertencente à Michael Hordern), chega à uma escola interna só para rapazes no centro de Londres, e faz de pronto amizade com o brilhante e peculiar Sherlock Holmes (Nicholas Rowe, de “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes”).
Os dois rapazes, junto da jovem e bela Elizabeth (Sophie Ward, de “Fome de Viver”), a sobrinha do erudito caseiro local, Prof. Waxflatter (o veterano Nigel Stock), e mentor de Holmes –de quem, já no final do filme, ele herda o famoso chapéu de duas abas –têm o interesse despertado por uma súbita e suspeita onda de estranhas mortes assolando respeitados cavalheiros da sociedade londrina, todos aparentemente ligados por um misterioso pacto; que inclui, por sinal, o Prof. Waxflatter.
Embora organizado com minúcia e zelo, os elementos ‘de origem’ a respeito da trajetória de Holmes que se somam, bem como as pistas do mistério que seu já afiado tino investigativo vão enumerando e elucidando, não chamam tanto a atenção no filme quando as formidáveis encenações das mortes que se seguem.
Nelas, uma figura sinistra e encapuçada normalmente aparece e dispara um dardo em suas vítimas. Tal dardo, carrega um alucinógeno que os leva a ver imagens aterradoras, materializadas em filme com o brilhantismo que uma produção bancada por Steven Spielberg é capaz de ostentar: E nem a direção de Levinson, nem o roteiro de Columbus economizam esforços para fazê-las memoráveis; como quando um cavalheiro vê uma ave assada em seu prato criar vida e o atacar, as pequenas gárgulas decorativas de um antiquário investirem contra o Prof. Waxflatter; os doces de confeitos de um sonho adquirirem movimento para se jogar na boca do próprio Watson; ou, a mais antológica delas, os vitrais de uma catedral saltarem de dentro da janela e personificados no próprio cavaleiro ali retratado (num uso pioneiro e primoroso de efeitos visuais computadorizados) atacarem o aflito reverendo.
Só Deus sabe as razões que impediram esta acertadíssima aventura de  ganhar novas sequências e originar uma franquia –intenção bem que havia como demonstra sua cena pós-crédito (sim, isso já existia até nos anos 1980!) revelando a existência do arquinimigo supremo de Holmes, o Prof. Moriarty –sendo assim, o público teve de se contentar com esta notável produção escapista, mescla afiada e contagiante de aventura, suspense, personagens carismáticos e história divertida e envolvente como só... bem, como só Steven Spielberg sabia fazer.

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