quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Audition

Um dos grandes trabalhos de Takashi Miike, este brutal e sensacional conto sobre a solidão, o equívoco das relações e o flerte constante que a vida faz com a morte, comparece quase sempre (ao lado do visceral “Ichi-O Assassino” e do estranho “Visitor Q”, ambos também de Miike) na famigerada lista dos filmes mais perturbadores de todos os tempos.
“Audition”, contudo, é mais elegante e sofisticado do que “Ichi”. O quê não significa que, em determinado momento, também não pegue pesado.
Há, contudo, toda uma apresentação e delineação de personagens antes que isso aconteça, e tão criteriosa, cuidadosa e minuciosa ela é, que se torna difícil lembrar de outro cineasta que se dispôs a tal esmero, em prol de uma narrativa gráfica, no cinema recente: Takashi Miike se coloca assim como um dos grandes mestre dessa arte, conjugando as ferramentas da linguagem com um talento nato, e delas extraindo o mais primoroso dos resultados.
“Audition” é sobre um viúvo, cuja morte da esposa já completa sete anos. Seu filho adolescente é o primeiro a notar a resignada tristeza do pai e o aconselha a procurar por uma nova companheira. Do alto de seus quarenta e tantos anos, e já enferrujado nas questões melindrosas da sedução, ele aceita a proposta de um amigo envolvido com produções de filmes: Acompanhar um processo de audição onde serão selecionadas várias jovens para o papel principal de um filme, e em meio à qual, por acaso, pode vir a encontrar a mulher ideal.
A jovem que ele conhece revela-se adequada à imagem que ele faz da mulher perfeita, mas ele deixa passar indícios (magnificamente disposto pela narrativa inteligente de Miike) de que ela pode ser o mais desastroso equívoco de sua vida.
Dos cento e quinze minutos que integram a obra de Miike, pelo menos seus dois terços iniciais servem à construção da atmosfera, da dinâmica intrigante entre os personagens, e até mesmo para estabelecer a suspensão de crença do público.
Quando as cenas verdadeiramente extremas (e genialmente filmadas) explodem na tela, o seu impacto é amplificado justamente por essa decisão do diretor: Fazer com que seus personagens adquiram funcionalidade emocional junto ao expectador, para que as dilacerações físicas experimentadas e deflagradas por eles sejam de uma contundência ainda mais desconcertante. Para tanto, Miike também conta com as atuações precisas de Ryo Ishibashi e, especialmente, de Eihi Shiima, numa composição espetacular que flutua com coerência entre o angelical e o potencialmente demoníaco.
Coisa de gênio.

É difícil sair indiferente à “Audition”: Sua postura inquieta, no limite entre um cinema de expressões experimentais e construção exemplar, assim como a direção nada usual e cheia de propriedade de Takashi Miike fazem dele um trabalho ímpar de maestria cinematográfica.

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