Um dos grandes trabalhos de Takashi Miike, este
brutal e sensacional conto sobre a solidão, o equívoco das relações e o flerte
constante que a vida faz com a morte, comparece quase sempre (ao lado do
visceral “Ichi-O Assassino” e do estranho “Visitor Q”, ambos também de Miike)
na famigerada lista dos filmes mais perturbadores de todos os tempos.
“Audition”, contudo, é mais elegante e
sofisticado do que “Ichi”. O quê não significa que, em determinado momento,
também não pegue pesado.
Há, contudo, toda uma apresentação e delineação
de personagens antes que isso aconteça, e tão criteriosa, cuidadosa e minuciosa
ela é, que se torna difícil lembrar de outro cineasta que se dispôs a tal
esmero, em prol de uma narrativa gráfica, no cinema recente: Takashi Miike se
coloca assim como um dos grandes mestre dessa arte, conjugando as ferramentas
da linguagem com um talento nato, e delas extraindo o mais primoroso dos
resultados.
“Audition” é sobre um viúvo, cuja morte da
esposa já completa sete anos. Seu filho adolescente é o primeiro a notar a
resignada tristeza do pai e o aconselha a procurar por uma nova companheira. Do
alto de seus quarenta e tantos anos, e já enferrujado nas questões melindrosas
da sedução, ele aceita a proposta de um amigo envolvido com produções de filmes:
Acompanhar um processo de audição onde serão selecionadas várias jovens para o
papel principal de um filme, e em meio à qual, por acaso, pode vir a encontrar
a mulher ideal.
A jovem que ele conhece revela-se adequada à
imagem que ele faz da mulher perfeita, mas ele deixa passar indícios
(magnificamente disposto pela narrativa inteligente de Miike) de que ela pode
ser o mais desastroso equívoco de sua vida.
Dos cento e quinze minutos que integram a obra
de Miike, pelo menos seus dois terços iniciais servem à construção da
atmosfera, da dinâmica intrigante entre os personagens, e até mesmo para
estabelecer a suspensão de crença do público.
Quando as cenas verdadeiramente extremas (e
genialmente filmadas) explodem na tela, o seu impacto é amplificado justamente
por essa decisão do diretor: Fazer com que seus personagens adquiram
funcionalidade emocional junto ao expectador, para que as dilacerações físicas
experimentadas e deflagradas por eles sejam de uma contundência ainda mais
desconcertante. Para tanto, Miike também conta com as atuações precisas de Ryo
Ishibashi e, especialmente, de Eihi Shiima, numa composição espetacular que
flutua com coerência entre o angelical e o potencialmente demoníaco.
Coisa de gênio.
É difícil sair indiferente à “Audition”: Sua
postura inquieta, no limite entre um cinema de expressões experimentais e
construção exemplar, assim como a direção nada usual e cheia de propriedade de
Takashi Miike fazem dele um trabalho ímpar de maestria cinematográfica.
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