Pode ter sido a curiosidade em descobrir como
seria trabalhar tal tema longe dos impedimentos e restrições protocolares de um
grande estúdio, mas o fato é que o diretor irlandês Neil Jordan arriscou-se
aqui a fazer um novo filme sobre vampiros, quase vinte anos depois de
realizar o ótimo “Entrevista Com O Vampiro”, com Tom Cruise e grande elenco.
Esse novo filme, “Byzantium”, como todos os
seus trabalhos, também ele produzido por Stephen Wooley, guarda fortes características
de um projeto pessoal, dotado assim daquele intimismo e daquela melancolia
normalmente evitados pelos filmes de inclinação comercial.
A verdade é que isso tem muito mais a cara de
Neil Jordan: Trata-se de uma sondagem atenta às mais peculiares arestas, qual
ele já fez no desconcertante “Traídos Pelo Desejo”, ou no magnífico “Fim de
Caso”.
Jordan, enfim, pegou o tema dos vampiros e fez
o quê “Entrevista...” (realizado sob rígida supervisão do estúdio da Warner, e
impiedoso escrutínio da mídia, dos fãs e da autora, Anne Rice) não lhe permitiu
fazer: Tornou-o seu.
Ainda que “Byzantiun” seja ele próprio uma
adaptação, no caso do conto (também tornado uma peça de teatro) “A Vampire
Story” de Moira Buffini.
Dessa forma, quando somos levados a acompanhar
a trajetória de duas vampiras, mãe e filha, que se estende por dois séculos,
encontramos diversos paralelos mais evidentes com as obras de Neil Jordan, e
com sua visão muito pessoal e intrínseca das tendências que moldam o ser
humano.
A intensa e atraente Claire (Gemma Arterton)
vale-se de seu belo corpo para capturar, no papel de stripper ou mesmo de
prostituta, os incautos infelizes que saciarão sua sede de sangue. Já sua filha,
a introspectiva e puritana Eleanor (Saoirse Ronan) busca manter um código moral
por meio do qual ela só suga o sangue (e, por conseqüência, extingue a vida)
daqueles que já estão prontos para aceitar a morte –uma dicotomia entre duas
personagens quase diametralmente opostas, mais complementares por um sentimento
que as conecta, a exemplo de “Mona Lisa”.
Ao contrário do mito conhecido dos vampiros
(que Jordan parece reinventar com a mesma convicção com a qual remodelou o
conceito de lobisomens em “A Companhia dos Lobos”), o sol não lhes inflige dor
ou destruição, nem tampouco elas possuem caninos salientes; ao invés disso, a
unha de seus polegares cresce de forma proeminente no momento do ataque. A
Irlanda, tão pessoal e especial para o trabalho de Jordan, é o palco por meio
do qual as duas fogem das conseqüências dos atos mais terríveis que insistem em
alcançá-las.
A estranha relação que as une, as razões pelas
quais ambas fogem (e do quê exatamente fogem) através das suburbanas
cidadezinhas da Irlanda, e como e por que cada uma converteu-se em vampira são
questões que pouco a pouco a narrativa de Jordan vai tratar de esmiuçar,
compondo os detalhes de uma história fatalista, trágica e cruel, onde o diretor
joga particular atenção sobre os elementos sórdidos, e principalmente sobre a
maneira tão instintiva e altiva com que cada uma das personagens lida com eles –numa
dramaturgia que remete muito do seu início de carreira, com “À Procura do
Destino”.
“Byzantium” é, portanto, uma tentativa com algo
de nostálgica de Jordan em reencontrar a si mesmo, e ao cineasta que antes era,
cujo idealismo e ímpeto de inocente criatividade, o hoje experiente Jordan
parece apreciar ainda mais.
Encarregada da exuberante protagonista, a
inglesa Gemma Arterton se sai muito bem, ostentando carisma e beleza
acachapantes, embora vez ou outra aconteça de equivocar-se no tom correto da
personagem, soando histriônica. A jovem Saoirse Ronan, porém, é impecável.
Curioso notar, ao falar do
elenco, que este é o primeiro filme de Neil Jordan –até onde sei –que não conta
com a presença de Stephen Rea, seu habitual ator-assinatura.
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