segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Advogado do Diabo

“Olhe, mas não toque. Toque, mas não prove. Prove, mas não engula.”
É deliciosamente sarcástica a forma como o diabo, interpretado enfaticamente por Al Pacino, ironiza e desdenha as supostas regras criadas por Deus e impostas ao homem.
Essa auto-consciência divertida presente em sua caricata interpretação –a despeito da seriedade ostentada por todos os outros atores –é o salva-vidas ao qual o expectador deve se agarrar no objetivo de melhor aproveitar o interessante filme do diretor Taylor Hackford, um misto quase conceitual, ainda que cheio de charme e elementos interessantes, de “O Bebê de Rosemary” com “Wall Street-Poder e Cobiça”.
Da obra de Polanski, o diretor extrai o equilíbrio curioso obtido da junção entre um clima francamente tétrico de filme de terror com um senso de humor perverso, inerente à narrativa. Da obra de Oliver Stone, ele tira sua ambientação (ainda que estejamos falando, aqui, de advocacia e não de executivos empresariais), com homens de terno para todos os lados; tira também a percepção de luxo e requinte que seduz os incautos e, sobretudo, a figura soberana e incontornavelmente corruptível elevada às raias literais da perniciosidade.
Há, nele também uma característica com a qual muitos filmes comerciais dos anos 1990 trabalhavam seu apelo popular: A união, em cena, de um ator consagrado com um jovem astro promissor.
O jovem promissor em questão é Keanu Reeves (recém-saído do sucesso “Velocidade Máxima”, mas ainda alguns anos antes de “Matrix”) cujo registro titubeante e engajado da perplexidade ajuda na composição de seu personagem, um advogado ambicioso contratado por importante firma nova-iorquina, após inocentar, contra todas as previsões, um réu acusado de pedofilia.
O chefe de tal firma (Pacino, que une graça e supremacia numa quase paródia do Gordon Gekko de Michael Douglas em “Wall Street”), poderosíssimo e cheio de segundas intenções, acompanha atenciosamente a ascensão de seu novo advogado que, ingênuo, ignora o fato de estar trabalhando para o capeta em pessoa.
Esse misto curioso de terror e filme de advocacia, que felizmente parece jamais se levar a sério, guarda ainda vestígios pertinentes da visão cristã do diretor Hackford sobre as pulsões humanas e seus sete pecados capitais transfigurados em cenas particulares: Há sobretudo a cobiça (quando o protagonista negligencia a própria esposa –uma jovem Charlize Theron, linda, frágil e angelical –em prol de um caso), a luxuria (materalizada especialmente nas curvas de uma espetacularmente sexy Connie Nielsen –que tem até cenas de nudez!), a vaidade (representada pelo golpe final do capeta, na última e emblemática cena), a ira (uma enérgica participação do sumido Graig Nelson, que fez “Poltergeist-O Fenômeno”, no papel de um cliente nem um pouco inocente) e outros.
Talvez o produtor, Arnold Coppelson não estivesse totalmente livre dessa obsessão tendo ele produzido a obra-prima “Seven-Os Sete Crimes Capitais” alguns anos antes para o diretor David Fincher.

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