quinta-feira, 6 de abril de 2017

Underground - Mentiras de Guerra

Através de um apanhado de personagens insólitos, o diretor Emir Kusturica tece um painel sobre a guerra e as perdas por ela inferidas cuja única alternativa reservada ao expectador por sua inclemente e caótica narrativa é a reflexão.
Tais personagens iniciam sua trama com atitude gaiata no primeiro ato, depois seu comportamento adquire ares surreais no segundo, para em seguida sofrerem uma desconstrução no terceiro e derradeiro ato –por mais absurdos que sejam, eles e sua história, não é muito difícil para Kusturica infligir-lhes aflições humanas que invariavelmente os aproximam de todos nós.
No início, durante a Segunda Guerra Mundial, Blacky (Lazar Ristovski) é exuberante e convicto. Ao mesmo tempo em que corteja Natalija (Mirjana Jocovic), ele alimenta discursos e ações que visam confrontar os opositores de sua ideologia na Tchecoslováquia de então, ao lado de seu melhor amigo –e um tanto quanto mais prudente que ele –Marko (Miki Manojlovic). Ambos gerenciam, com atitudes antagônicas, uma fábrica clandestina de armas.
Subitamente, um acidente inesperado leva Blacky a uma situação ainda mais clandestina e inusitada: Após um acidente, ele, junto de seu grupo, ficam em confinamento dentro do porão da casa de Marko produzindo morteiros para a guerra que se desenrola, sem jamais poder sair, na condição de dissidentes.
Os anos passam, a guerra se acaba, mas eles continuam lá naquele porão, fabricando sem parar as armas que passam a dar estabilidade financeira à Marko, enquanto ele próprio passa então a cortejar Natalija, a moça que antes era o objeto dos desejos de Blacky.
Após vinte longos anos enclausurados naquele subterrâneo –naquele “underground” –Blacky e sua turma finalmente saem para o mundo exterior, e a maioria deles se perde em meio às transformações políticas e ideológicas sofridas pela Iugoslávia nos anos seguintes.
Blacky perde o próprio filho e, embora essa obsessão jamais deixe de atormentá-lo, ele busca extravasá-la embrenhando-se nos conflitos que se seguem então, as guerras separatistas, os conflitos contra os albaneses e as intervenções da Otan contra a Sérvia.
Todos eventos que, em meio à década de 1990, transformaram o panorama sócio-político daquela região. Na visão de Kusturica, contudo (um misto audaz entre Buñuel e Fellini), esse sofrimento incontornável perpetrado pelas mudanças não consegue apagar a vivacidade de seu povo, traduzida na capacidade fulgurante que têm de transpor os infortúnios mais pungentes.

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