Através de um apanhado de personagens
insólitos, o diretor Emir Kusturica tece um painel sobre a guerra e as perdas
por ela inferidas cuja única alternativa reservada ao expectador por sua
inclemente e caótica narrativa é a reflexão.
Tais personagens iniciam sua trama com atitude
gaiata no primeiro ato, depois seu comportamento adquire ares surreais no
segundo, para em seguida sofrerem uma desconstrução no terceiro e derradeiro
ato –por mais absurdos que sejam, eles e sua história, não é muito difícil para
Kusturica infligir-lhes aflições humanas que invariavelmente os aproximam de
todos nós.
No início, durante a Segunda Guerra Mundial,
Blacky (Lazar Ristovski) é exuberante e convicto. Ao mesmo tempo em que corteja
Natalija (Mirjana Jocovic), ele alimenta discursos e ações que visam confrontar
os opositores de sua ideologia na Tchecoslováquia de então, ao lado de seu
melhor amigo –e um tanto quanto mais prudente que ele –Marko (Miki Manojlovic).
Ambos gerenciam, com atitudes antagônicas, uma fábrica clandestina de armas.
Subitamente, um acidente inesperado leva Blacky
a uma situação ainda mais clandestina e inusitada: Após um acidente, ele, junto
de seu grupo, ficam em confinamento dentro do porão da casa de Marko produzindo
morteiros para a guerra que se desenrola, sem jamais poder sair, na condição de
dissidentes.
Os anos passam, a guerra se acaba, mas eles
continuam lá naquele porão, fabricando sem parar as armas que passam a dar
estabilidade financeira à Marko, enquanto ele próprio passa então a cortejar
Natalija, a moça que antes era o objeto dos desejos de Blacky.
Após vinte longos anos enclausurados naquele
subterrâneo –naquele “underground” –Blacky e sua turma finalmente saem para o
mundo exterior, e a maioria deles se perde em meio às transformações políticas
e ideológicas sofridas pela Iugoslávia nos anos seguintes.
Blacky perde o próprio filho e, embora essa obsessão
jamais deixe de atormentá-lo, ele busca extravasá-la embrenhando-se nos
conflitos que se seguem então, as guerras separatistas, os conflitos contra os
albaneses e as intervenções da Otan contra a Sérvia.
Todos eventos que, em meio à
década de 1990, transformaram o panorama sócio-político daquela região. Na visão
de Kusturica, contudo (um misto audaz entre Buñuel e Fellini), esse sofrimento
incontornável perpetrado pelas mudanças não consegue apagar a vivacidade de seu
povo, traduzida na capacidade fulgurante que têm de transpor os infortúnios
mais pungentes.
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